Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 22 de julho de 2012

Augustas (2012): jornalista perambula entre o prazer e o misticismo

Primeiro longa de Francisco César Filho é uma incorreta obra sobre o mundo underground.

Do latim, Augusta significa nobre, glorificada, majestosa e, segundo algumas fontes, recebe status de sublime e sagrada. Tema de diversas manifestações artísticas, do curta “Esta Rua Tão Augusta” (1968), dirigido pelo saudoso Carlos Reichenbach, até tornar-se tema de canções de artistas como Ronnie Cord, Emicida e Cachorro Grande, a mítica rua Augusta, em São Paulo inspirou, até mesmo, a banda folk Os Últimos Românticos da Rua Augusta.

O local, que liga a área nobre ao centro urbano da capital paulista é, desde os anos 60, reduto de pessoas em busca de espaços alternativos ligados ao entretenimento e às artes, sem deixar de lado a aura marginal regada a drogas e prostituição. Nesta disparidade que se completa, o diretor Francisco César Filho, mais conhecido por seu trabalho em documentários e curtas-metragens, realiza seu primeiro longa, “Augustas”. Curador do 7º Festival de Cinema Latino-Americano, seu filme participou da programação para mostrar as diversas faces do misticismo que envolvem a rua, em uma homenagem ao cinema boca do lixo que reinou nas telas brasileiras nos anos 70 e 80.

No longa, roteirizado por Hilton Lacerda (“Amarelo Manga” e “A Febre do Rato”) e José Eduardo Belmonte (“Billi Pig” e “Se Nada Mais Der Certo”) com base no romance “A Estratégia de Lilith”, de Alex Antunes, acompanhamos o jornalista Alex (Mário Bortolotto) que, desacreditado pela editora em que atua e sem conseguir mais trabalhar, se embrenha em um universo de descobertas que envolvem a rua Augusta.

Junto com o amigo Tonico (Henrique Schafer), entre cervejas e jogos de sinuca nos botecos, o jornalista acaba se envolvendo com a prostituta Kátia (Caroline Abras). Enquanto se esquiva do cafetão Pernilongo (nunca visto em sua onipresença), ela divide a cama entre clientes, Alex e o segurança de uma das boates da Augusta (papel de Juliano Cazarré). Neste ínterim, acompanhamos a ligação dele com Jane (Georgina Castro), uma mulher simples que, dos confins do Brasil, alça seu pequeno voo à capital.

Em uma de suas perambulações, Alex se embrenha em um ritual de neoxamanismo, coordenado por Marrut (a veterana Selma Egrei) e sua namorada, a jovem Azúcar (Maíra Chasseraux), fazendo com que o personagem se envolva em um redemoinho onde o profano e o místico se digladiam na tentativa de busca de um sentido à sua existência.

Entre pichações, grafites e um universo bem conhecido dos paulistanos, “Augustas” revisita o cinema marginal, em uma tentativa que, infelizmente, muitas vezes beira o caricatural. De imagens poluídas em uma iluminação pesada, onde o cinza do concreto divide espaço com as cores fortes de luminosos da famosa rua, não deixa de ser curioso observar Bortolotto, diante de três mulheres em um tipo cínico, que busca nas três personagens femininas uma condição masculina perdida diante do fracasso profissional, dispondo-se a inserir uma gota de vida em sua sub(existência), sem nunca deixar o humor em segundo plano.

“Augustas” desenvolve os clichês de personagens que transitam entre a carne e a alma (ou a falta dela), tomados pelos desejos da carne em uma cidade que nunca dorme, vibrando em sons que, constantemente presentes, se perdem durante a entrega do prazer. Ali, o sexo se torna sagrado, independente de sua forma e local em que acontece.

E nesta libido que inunda a tela, o que falta em recursos técnicos é compensado em sua temática. Lilith, por exemplo, contida no título do livro de Antunes, é um demônio da mitologia e considerada a figura feminina responsável pela tentação de homens diante do profano. No longa, ela é pluralizada, fazendo com que Alex beire a sanidade em suas augustas, sejam elas por meio das mulheres e/ou da rua Augusta, em todas suas facetas, tão sensuais em suas tentações.

Categorizado como uma espécie de anti-malandro, Alex se torna joguete do que o cerca, na qual a busca por um lar em toda a plenitude da palavra resvale na solidão e transite entre o real e o onírico, este personificado em Sish, que surge como um tipo de entidade espiritual ou, dependendo da interpretação, o alter-ego da prostituta Kátia em forma de (in)consciência do jornalista.

Entretanto, justamente por tentar tanto unir características do universo alternativo em toda sua poesia suja que divide espaço com o misticismo, “Augustas” se torna um filme irregular em sua forma de encontro ao público, embora se esforce em diálogos despretensiosos, recursos imagéticos interessantes e uma trilha sonora de clássicos do underground paulistano dos anos 1980/1990, de autoria de Akira S e As Garotas Que Erraram, Fellini, Mercenárias, Patife Band e Shiva Las Vegas.

Esse filme fez parte da programação do 7º Festival de Cinema Latino-Americano de SP, em julho de 2012.

Léo Freitas
@LeoGFreitas

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