Longa constrói bem o suspense e o cenário, mas desemboca em uma resolução extremamente vazia.
No dia 26 de abril de 1986, em Chernobyl, na Ucrânia, houve o maior acidente nuclear da história. Devido a uma conjunção de falhas técnicas e humanas, o quarto reator da usina nuclear explodiu, liberando uma nuvem radioativa que se espalhou por uma vasta área (inclusive por outros países) e causou a morte de milhares de pessoas a curto e longo prazos. Atualmente, Chernobyl e Pripyat (cidade vizinha, onde moravam as famílias dos trabalhadores da usina) são cidades-fantasma, totalmente abandonadas. Entretanto, ao longo dos anos, os níveis de radiação diminuíram em alguns pontos, tornando possível a visita de turistas ao local, desde que tomadas as devidas precauções.
“Chernobyl” se aproveita da história real para formar sua premissa do gênero terror. Acompanhamos seis turistas e um guia que decidem visitar Pripyat por conta própria, burlando as medidas de segurança, uma vez que está oficialmente fechada. No entanto, aquele momento único de aprendizado e diversão é bruscamente interrompido quando estranhos eventos começam a acontecer. Assim, eles se vêem perdidos e isolados naquela região, onde a radioatividade parece ser o menor dos problemas.
O filme começa com imagens de textura amadora, mostrando os turistas se divertindo no aeroporto e em algumas cidades da Europa. A primeira ideia que vem à mente é que se trata de um filme de found footage, onde o que vemos são as imagens captadas pelos próprios personagens. Considerando que o longa surgiu de uma ideia de Oren Peli (roteirista e diretor de “Atividade Paranormal”), isso se torna ainda mais provável. Entretanto, logo percebemos que o vídeo está sendo assistido pelos turistas em um quarto de hotel, quebrando o ponto de vista de maneira inusitada e satírica, o que prende nosso interesse logo de cara.
Ainda assim, a câmera continua a se movimentar de forma pouco convencional, balançando constantemente e realizando movimentos bruscos, como se ainda estivesse na mão de algum personagem do filme, embora a textura da imagem seja bem mais profissional. No começo, isso confunde um pouco, mas logo é possível perceber que esta é a própria linguagem do filme, lembrando a metodologia de Lars Von Trier – em um nível menos trabalhado –, que privilegia o uso de câmera na mão, buscando as ações que ocorrem durante a cena ao redor.
Esta estratégia financeiramente barata acaba por tornar evidentes certas falhas técnicas, mais especificamente em termos de fotografia. Na cena em que os turistas e o guia estão em um prédio abandonado, por exemplo, pode-se notar a sombra difusa da câmera passando em frente ao guia em determinado momento. Diferente dos erros pontuais de continuidade na montagem de Bryan Baker, esta falha não incomoda muito e pode até passar batida em um primeiro olhar, mas ainda é uma limitação. De qualquer forma, isso não compromete a grande efetividade desta proposta de câmera livre no tocante a fazer com que o espectador se sinta fisicamente próximo à realidade do filme.
O erro é pensar que isto é suficiente para substituir uma construção mais elaborada dos personagens. A única tentativa neste sentido diz respeito à relação dos irmãos Paul (Jonathan Sadowski) e Chris (Jesse McCartney), que é trabalhada de forma medíocre e sem reverberação ao longo da trama. Por exemplo, em uma das conversas Paul demonstra um desinteresse em entrar em contato com o pai, sugerindo um mal entendimento entre os dois. Porém, esta fala é a única menção a esta provável dinâmica que temos durante todo o filme. Dessa forma, o roteiro de Peli e dos irmãos Carey e Shane Van Dyke perde uma boa oportunidade de criar uma base para sustentar a relação entre Paul e Chris, que se dissolve rapidamente. Além disso, em todo diálogo entre os dois, somos lembrados de que eles são irmãos, em um didatismo exagerado e desnecessário.
Felizmente, o diretor estreante Bradley Parker mostra competência ao desviar nossa atenção para o enredo em si. A câmera na mão, os planos longos, as conversas paralelas e banais entre os personagens, a economia de trilha sonora, a paciência no desenvolvimento das ações e na apresentação do cenário conferem ao longa um grau de realismo que funciona muito bem. Mesmo quando coisas estranhas começam a acontecer, Parker se mantém fiel ao tom inicial e não se rende totalmente aos padrões do gênero, imprimindo na tela de forma crua (mas bem trabalhada) o que o roteiro oferece de melhor, que são as cenas de suspense com o uso inteligente de clichês.
Eis que toda a paciente construção da atmosfera desmorona em um terceiro ato vazio e sem criatividade. A partir de determinado momento, tudo o que vemos são pessoas correndo sem rumo, perseguidas pela fonte do terror. Vez por outra, algo acontece a alguém e a correria continua, sempre regada a choros e caras de desespero, como já vimos milhares de vezes em outros filmes. Este formato segue pelos últimos vinte minutos e consegue desqualificá-lo quase por inteiro, culminando em um final patético que apenas tenta chocar, sem funcionar.
“Chernobyl” é um terror que chega a surpreender em alguns momentos, mas cai no lugar comum quando tudo o que precisava era consolidar o que já havia alcançado. A direção de Parker é competente, mas inexperiente o bastante para não conseguir lidar com as falhas mais graves do roteiro, que por sua vez, também consegue oferecer algo interessante, mas se rende à preguiça e à falta de originalidade no momento mais crucial.
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Thiago César é formado em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mas aspirante a cineasta. Já fez cursos na área de audiovisual e realiza filmes independentes.