Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 30 de junho de 2012

Para Roma, com Amor (2012): roteiro de Woody Allen é inusitado e divertido

Longa marca a volta do cineasta como ator depois de seis anos.

Nova-iorquino com orgulho, Woody Allen se consagrou escrevendo, dirigindo e atuando em comédias situadas, na grande maioria das vezes, em sua própria cidade natal. Porém, recentemente o cineasta tem se aventurado por terras europeias, de onde a cultura sempre o fascinou. É fácil perceber o quanto esses novos ares têm feito bem à sua criatividade enquanto roteirista, libertando-se de certos temas centrais e estruturas narrativas que o definiram ao longo das décadas, sem que com isto perca seu tom característico.

O enredo de “Para Roma, com Amor” segue diferentes histórias independentes que ocorrem na capital italiana. O que parece uma trama confusa e sem relação entre os eventos, na verdade é uma bela homenagem à cidade que Allen tanto ama. Isto é realizado a partir de sua incrível capacidade de transformar o ambiente em personagem. As pessoas, a arquitetura, as pequenas ruas, os espaços aparentemente banais, etc. funcionam como ponto de partida e posterior sustentação dos arcos dramáticos, além de marcar presença frequente e de forma mais explícita nos próprios diálogos.

Após seis anos reservando-se apenas ao trabalho por atrás das câmeras, Woody Allen volta a atuar em seu estilo costumeiro – fato este que anima mais do que entedia, visto a diversão garantida que sua persona oferece. Neste caso, sua personalidade é desmembrada entre vários protagonistas, possibilitando um maior desprendimento do artista na construção e desenvolvimento destes. O tipo neurótico-ateu se limita apenas ao personagem de Allen, distribuindo as características de maior destaque na trama entre vários outros alter-egos: Antonio (Alessandro Tiberi), o inseguro; Jack (Jesse Eisenberg), o apaixonado; e Leopoldo (Roberto Benigni), o monótono. Todos os três atores – principalmente Benigni, cujas expressões e trejeitos naturais já lembram muito os de Allen – representam bem seus tipos, guardando sutis semelhanças entre si. Junto à atmosfera da cidade, essa congruência nas atuações forma o elo entre as diferentes histórias, sendo muito útil na manutenção do caráter “tragicômico” do longa.

O nível do humor está alto como sempre. A psicanálise, o vazio existencial e outras temáticas, que sempre têm um espaço reservado nas obras de Woody Allen, desta vez são mais pontuais e menos evidentes. Apesar da funcionalidade de algumas piadas depender de um conhecimento prévio sobre determinados temas, a grande maioria é totalmente acessível ao espectador comum, sendo fruto da própria situação em que os personagens se encontram. A comédia física, tão marcante na primeira fase do diretor, também encontra espaço aqui, divertindo ainda mais quando se manifesta em meio a diálogos convencionais, variando o tom de modo bastante oportuno.

O roteiro satírico, inusitado e, por vezes, surreal, mostra uma desenvoltura criativa imensa, brincando com subgêneros que vão desde o realismo fantástico até a comédia pastelão. Sua estrutura, que passeia por um “conto” e outro sem definição temporal, renova o interesse do público constantemente em cada sequência. Isto também é mérito da montagem rítmica, que resolve as gags de momento em cada arco ao mesmo tempo em que suspende a ação principal deste para retornar posteriormente de forma menos brusca, intermediado por outras histórias que trabalham segundo a mesma lógica.

Talvez o único elemento frustrante no longa seja o modo como o arco dramático de alguns personagens encontram resolução, sendo exposta uma lição de moral totalmente desnecessária. O didatismo destas ocasiões não chega a comprometer a validade do brilhante desenvolvimento do conteúdo, mas certamente é vazio de sentido quando tenta esclarecer o óbvio.

O solo europeu tem rendido boas obras a Woody Allen, que se atreve mais do que se atém e nos presenteia anualmente com uma obra imperdível. “Para Roma, com Amor” é a prova mais recente de que o velho cineasta ainda possui uma alma jovem que gosta de experimentar e está longe da acomodação. Brincando com as diversas formas de abordar conteúdos pessoais que nós já conhecemos há muito, Allen ainda desperta o interesse e a expectativa dos fãs.

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Thiago César é formado em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mas aspirante a cineasta. Já fez cursos na área de audiovisual e realiza filmes independentes.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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