Faltou perspectiva e foco nesta oitava parceria entre Johnny Depp e o diretor Tim Burton, resultando em um filme cujos problemas se acumulam até implodir em seu ato final.
Todo mundo tem um filme ou série que entra na categoria de guilty pleasure. Isto é, aquela obra que todo mundo considera tosca, esquisita e/ou ruim e que aparentemente só você gosta. E quando se trata de um guilty pleasure partilhado pelo mega-astro Johnny Depp e pelo diretor Tim Burton… bem, o resultado é uma novela americana de mais de mil capítulos estrelada por um vampiro ganhando um remake cinematográfico nas mãos da dupla. Em suma, isso é “Sombras da Noite”.
Até o projeto ser anunciado, eu nunca tinha ouvido sequer falar na telenovela estadunidense “Dark Shadows”, portanto, se houver alguma coisa aqui nesta crítica que ofenda o fandom dela ou mesmo dos envolvidos no longa, já adianto que não pedirei desculpas, haja vista que, como qualquer produção, o filme tem de se sustentar por si mesmo.
Na trama, o conquistador Barnabas Collins é transformado em um vampiro pela bruxa Angelique após quebrar o coração desta. Após ser aprisionado e enterrado, Barnabas desperta de um sono de dois séculos em plena década de 1970, apenas para ver sua mansão caindo aos pedaços e o que restou dos negócios de sua família sendo esmagados por Angelique, agora uma poderosa mulher de negócios. O vampiro então retoma as rédeas dos Collins, buscando voltar à forma humana e sobrepujar a bruxa.
Os fãs de Tim Burton reconhecerão todas as marcas visuais registradas do diretor na tela, principalmente no visual bizarro dos personagens e na direção de arte ambiciosa que surge na opulenta mansão dos Collins e na cidade portuária de Collisport. Burton e sua equipe brincam com as misturas das estéticas góticas e setentistas, algo que se mostra principalmente na fotografia da produção, em uma interessante mistura do colorido da época e da dessaturização da paleta que nos acostumamos a ver nas películas do cineasta.
Seth Grahame-Smith, responsável pelo livro “Orgulho, Preconceito e Zumbis”, foi o escolhido para adaptar a longeva novela em um roteiro cinematográfico. Mais acostumado com livros e séries de TV, sendo este seu primeiro texto para o cinema, mídias onde as obras possuem maior liberdade em explorar suas narrativas sem se perderem, Grahame-Smith acaba se mostrando uma escolha inadequada para o trabalho, dando uma absoluta falta de foco à produção.
Ainda assim, o roteirista possui boas ideias e cria gags e situações sombrias e divertidas, como a sequência com os hippies e a brincadeira com o logo da rede de lanchonetes McDonald’s. Quase todas as mulheres da trama são um destaque mais que positivo, principalmente a matriarca Elizabeth, interpretada com força e tenacidade impressionantes por Michelle Pfeiffer, e a revoltada Carolyn, vivida pela cada vez mais talentosa Chloe Grace Moretz.
O mesmo não posso dizer da australiana Bella Heathcote que, mesmo vivendo duas personagens – a virginal Josette no século XVII e a tutora Victoria nos anos 1970-, não tem carisma para meia, se mostrando bela, mas vazia. Ainda temos a alcoólatra Dra. Julia Hoffman, que ganha o rosto de uma contida Helena Bonham Carter que, tendo apenas uma cena de maior destaque na fita, surge deveras desperdiçada.
Já a Angelique de Eva Green surge sociopaticamente sedutora e divertida, boa parte disso se devendo ao charme da atriz francesa, embora sua obsessão em possuir Barnabas acabe por diminuí-la, principalmente no terceiro ato. A desconstrução da vilã tem um reflexo deveras interessante em seu visual, que vai trincando aos poucos como uma boneca de porcelana.
Escapando da mania atual de vampiros bonzinhos (vocês sabem do que estou falando), Barnabas vê sua maldição se convertendo em um verdadeiro martírio por conta dos atos monstruosos que é obrigado a cometer, com Johnny Depp sabendo dar vazão a este lado sofrido do protagonista e equilibrá-lo com as piadas de “homem perdido no tempo”.
Ademais, ao ambientar a produção nos anos 1970, o filme nos coloca nessa mesma situação do vampiro, nos jogando em uma bizarra caricatura da ambientação setentista. Interessante notar o carinho que Barnabas sente pelo pequeno David (Gulliver McGrath), sendo uma pena que esta relação não seja mais explorada como um maior paralelo às ações sanguinárias do sanguessuga.
Eventualmente, o roteiro se perde em meio a uma multidão de personagens e situações da novela original e, querendo prestar homenagem a todos, acabando não fazendo justiça a ninguém. Se em algum momento, um personagem ou plot surge, logo o filme esquece de tudo, dá atenção àquele elemento, se cansa e o esquece, repetindo esse ciclo ad nauseum e destruindo qualquer oportunidade de dar maior importância aos desafios do clã Collins, algo que pode ser mais claramente visto nas subplots envolvendo a Dra. Hoffman e Victoria.
Isso chega ao ápice no último ato da produção, quando o filme implode em um clímax absolutamente apressado e sem sentido, destruindo vários personagens e introduzindo soluções deus ex machina a vários dos dilemas enfrentados por eles, mandando o espectador para casa com um gosto amargo.
Algumas participações especiais pontuam a projeção, servindo mais como adendos curiosos do que como parte da trama em si e mostrando a fragilidade desta e a autoindulgência de Depp e Burton. Nesta oitava colaboração da dupla, por mais que fosse um projeto dos sonhos para eles, faltou perspectiva e sobrou ambição.
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Thiago Siqueira é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.