Assim como o próprio xenomorfo que assombrou a Ten. Ripley por quatro filmes, este longa se utiliza de uma franquia preexistente para criar uma nova série, com suas características e ambições próprias.
A busca de nossas origens, seja em um sentindo paternal ou em um mais amplo, sempre foi uma das bases mais fundamentais para histórias, em todas as mídias. Aproveitando-se deste norte e de um dos grandes mistérios da franquia “Alien” (a verdadeira natureza do ser chamado pelos fãs de “Space Jockey”), o cineasta Ridley Scott volta ao universo que, nos distante ano de 1979, o projetou para o cinema. Mas não se engane pensando que “Prometheus” é uma prequel pura para “Alien – O Oitavo Passageiro”. Embora este novo longa deixe um cenário pronto para os acontecimentos trágicos que acontecerão com a nave rebocadora Nostromo meio século depois, as ambições das produções são completamente diferentes, dando ao mais recente filme de Scott uma trama e identidades próprias.
Apenas alguns elementos e easter-eggs no decorrer da projeção indicam o parentesco entre as duas obras, jamais se tornando necessário assistir a obra setentista. Enquanto os fãs mais atentos perceberão semelhanças entre as naves dos filmes e pequenas amarras nos cenários em comum, um dos elos narrativos é deveras óbvio: a presença de uma protagonista feminina forte.
A trama é conduzida pela Dra. Elizabeth Shaw (Noomi Rapace), uma arqueóloga que acredita que os humanos foram criados por uma raça alienígena que ela batizou de Engenheiros, seres que deixaram suas marcas em um mapa estelar presente em culturas antigas espalhadas pelo mundo. Shaw e a tripulação da nave científica Prometheus (referência ao titã que roubou o fogo dos deuses) partem rumo as coordenadas encontradas, em uma missão patrocinada por Peter Wayland (Guy Pearce), dono da infame companhia que leva seu sobrenome. O que vão encontrar lá podem ser não pistas para o começo da vida na Terra, mas para o fim iminente da raça humana.
A busca de Shaw por seus criadores, motivada pela fé, é um dos problemas mais sérios do roteiro de Jon Spaihts (do fraco “A Hora da Escuridão”) e Damon Lindelof (da série de TV “Lost”). Ora, Shaw é uma cientista, teoricamente guiada por fatos. Justificar sua teoria sobre a vida terrestre com a frase “Porque é o que eu decidi acreditar” simplesmente não funciona, com essa falta de motivação empalidecendo um pouco a personagem diante da pragmática Ripley, por exemplo.
Apesar disso, Rapace foge da sombra de Sigourney Weaver criando uma personagem com quem o público pode se relacionar por conta de seu sofrimento e humanidade, surgindo de modo esplendoroso em uma das cenas mais tensas e gore da história recente do cinema sci-fi.
O objetivo final de Shaw é espelhado pela existência do androide David, um dos membros da missão e a figura mais fascinante do filme. Vivido por Michael Fassbender de um modo meticuloso e assustadoramente calculado, em uma perturbadora mescla de inocência e frieza, o ser artificial busca uma identidade própria, ansiando pelo momento em que poderá viver além da programação estipulada por seu criador/pai, Wayland, que o considera inferior por não possuir uma “alma”.
Durante o período de hibernação de dois anos da tripulação da nave, David passou seu tempo observando os sonhos de Elizabeth, criando uma estranha relação com esta, com o subconsciente da arqueóloga lhe sendo tão interessante quanto o filme “Lawrence da Arábia”, cujo personagem-título é o seu modelo de comportamento escolhido. Enquanto Shaw busca compreender por que foi criada, David entende que sua existência reflete apenas a ambição humana de alcançar novas conquistas, não possuindo um significado filosófico maior, sendo esta a sua grande tragédia, crendo ele que Shaw a compartilhará em breve.
David ainda tem um relacionamento conflituoso com a fria representante da Companhia Wayland na embarcação, Meredith Vickers. Charlize Theron nos mostra Vickers como uma mulher exteriormente durona, mas que possui uma agenda própria, relacionada com seu conflito interior. Infelizmente, seus objetivos e motivação são mantidos em “sigilo” pelo script de maneira desnecessária, com tal tolice prejudicando não só o desenvolvimento da própria personagem, mas também uma maior evolução de David e Wayland.
Enquanto os anteriormente citados tripulantes da embarcação são deveras interessantes, mesmo que pontualmente sabotados pelos furos do roteiro, os outros não vão muito além de estereótipos, “camisas vermelhas” cujas mortes sabemos ser inevitáveis e que jamais não nos importamos muito, a não ser pelo fator gráfico. Mesmo o companheiro/amante de Shaw, Charlie, vivido por Logan Marshall-Green, acaba não sendo muito bem trabalhado, com a ousadia sendo sua única característica explorada pela produção e mesmo as interações entre ele e Shaw servindo apenas para uma maior exposição dos sentimentos, crenças e pensamentos da protagonista.
Ademais, devo questionar a escalação de Guy Pearce para o papel do idoso Wayland. Além do magnata não surgir jovem em nenhum momento da projeção, algo que justificaria a presença do ator ali, a maquiagem em látex só serve para criar um ruído na experiência cinematográfica, sem nenhum propósito. Por mais que aprecie a carreira de Pearce, foi algo absolutamente desnecessário. Wayland, aliás, pode ser encarado como o descendente egoísta do John Hammond (“Jurassic Park”), com ambos sendo homens que fazem apostas imensas para satisfazerem seus objetivos e complexos de Deus, com a diferença que Wayland aparenta ser um indivíduo completamente desprovido de consciência e respeito à vida alheia.
Ridley Scott se mostra extremamente à vontade em seu retorno a este mundo a ele tão familiar, sabendo trabalhar muito bem com a atmosfera de tensão do longa, e dosando muito bem o terror mais gráfico com aquele mais sutil, sempre contando com a ajuda do cinematógrafo Darusz Wolski para a criação da atmosfera sombria desejada. A sensação de claustrofobia, seja nos ambientes fechados por metal ou pelos rodeados de trevas, é quase que ininterrupta. Scott também retoma sua parceria com o montador Pietro Scalia para dar ao longa dinamismo, algo necessário considerando o equilíbrio delicado entre ficção existencialista e terror de sobrevivência que a película exige.
Note-se que, enquanto o texto de Lindelof e Spaihts faz referências claras a “Eram os Deuses Astronautas?” e “Frankenstein”, a câmera de Scott já presta homenagens a “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, com esses toques a clássicos da ficção científica sendo devidamente reverenciados pela fita.
Visualmente, o longa é arrebatador, com a comunhão de Scott, Wolski e o designer de produção Arthur Max, outro colaborador veterano do diretor, funcionando muito bem. No primeiro ato, buscando recriar a Terra quando da aurora da vida, o diretor explora muito bem as paisagens exóticas da Islândia para criar um cenário de tirar o fôlego, cujas linhas fazem uma bela rima com a desolação sombria dos interiores das estruturas dos Engenheiros, que ainda exibem um eco dos visuais brevemente vistos em “Alien – O Oitavo Passageiro”.
Quando a história passa para a Prometheus, o visual desta também não desaponta, com seus corredores tecnológicos passando uma sensação de claustrofobia muitíssimo bem-vinda, com exceção da cabine de Vickers, tendo em vista que os conflitos dela são mais interiorizados. As novas criaturas continuam a lógica visual proposta por H.R. Giger em 1979, principalmente com a natureza sexual das criaturas se mantendo. Enquanto o xenomorfo (o alien clássico) apresentava-se como uma forma essencialmente fálica, o visual da ameaça biológica mais presente aqui remete claramente ao aparelho reprodutor feminino.
O esforço de Scott em utilizar efeitos práticos sempre que possível também deve ser louvado, mas as equipes responsáveis pelos efeitos digitais não deixam por menos e ajudam a levar o espectador para aquele ambiente inóspito. A trilha sonora de Marc Streitenfeld também contribui para esta viagem, com o compositor lançando também mão de alguns trechos das composições de Jerry Goldsmith para o “Alien” original. O mesmo não pode ser dito do 3D que, por mais competente que seja, não acrescenta muita coisa à narrativa.
Apesar de ser uma superprodução, “Prometheus” é uma fita sem medo de tocar em temas pesados e de propor perguntas pesadas a seu público. Mesmo com a discussão sendo menos que perfeita, o fato de um blockbuster a propor em conjunto com um espetáculo visual, faz com que esta seja uma empreitada a ser elogiada.
P.S.: Reservo-me o direito de lançar um olhar desaprovador à postura de Ridley Scott em já anunciar uma “versão do diretor”, tendo em vista que se trata de um cineasta que tem força suficiente para impor seu corte ao estúdio, principalmente considerando-se que a versão de cinema já possui uma censura alta, tendo essa extensão uma motivação exclusivamente financeira, mostrando que Scott realmente se tornou um pupilo de George Lucas, no pior sentido dessa expressão.