Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 23 de junho de 2012

Vou Rifar Meu Coração (2011): uma sincera homenagem à música brega

Vencedor do In-Edit Brasil 2012, documentário traz artistas e personagens reais que abrem o coração e declaram o amor à música de dor de cotovelo.

Certa vez, li uma frase que dizia: “às vezes, gostaria que você prestasse mais atenção às minhas músicas favoritas, porque as letras delas são as palavras que não tenho coragem de dizer”. Claro que a frase se refere ao amor, sentimento que permeia grande parte das canções existentes no planeta e que atinge dez entre cada dez pessoas em algum momento da vida.

Dirigido pela cineasta carioca Ana Rieper, “Vou Rifar Meu Coração” foi o vencedor da Competição Brasileira do 4º In-Edit Brasil logo após outro documentário de sucesso – e do mesmo ano – abordar tema semelhante e encantar o público brasileiro: “As Canções” de Eduardo Coutinho, que mostrava pessoas comuns expondo as músicas que marcaram suas vidas repletas de amores e decepções. A obra é um retrato sincero de três linguagens universais (amor, cinema e música) em um resultado bem acima da média.

Tomando o viés da música brega, Rieper coloca personagens reais de áreas mais pobres do Brasil para expor suas angústias e alegrias do amor cantado, em uma espécie de road movie musical. Alternando depoimentos de artistas do gênero, entre uma canção e outra de performances profundas e letras simples, acompanhamos um povo que se identifica com o que ouve.

Sem identificar a maior parte de seus personagens, “Vou Rifar Meu Coração” (título de uma canção de Lindomar Castilho) traz histórias de pessoas simples e suas desilusões amorosas, em uma busca incessante por amor nos confins deste Brasil repleto de bares e karaokês à beira da estrada, com seus bailinhos de cidades da periferia, do sertão e do campo em regiões do Nordeste, como Sergipe, Alagoas, Bahia e Pernambuco.

Juntando depoimentos de populares e entrevistas com nomes famosos da música brega, como Amado Batista, Odair José, Nelson Ned, os saudosos Wando e Waldick Soriano, mestre do gênero, além de outros nomes conhecidos dos fãs, como Walter de Afogados, Elvis Pires e Rodrigo Mell, o longa mostra, ainda, o poder do rádio em atingir as massas com as canções cujas letras, de autoria dos seus próprios intérpretes, revelam que já sofreram de amor e transpuseram as suas angústias nas canções. A empatia fã/ídolo, claro, é mais do que imediata.

Com câmera na mão, acompanhamos a presença da música em shows, nas casas das pessoas, nas ruas e até em bailinhos onde dançar de rosto colado é lei. E nesta homenagem à dor de cotovelo, somos presenteados com músicas de Amado Batista (“Folha Seca”, “Princesa”), Nelson Ned (“Não Tenho Culpa de Ser Triste”), Elymar Santos (“Quem Eu Quero, Não me Quer”), Waldick Soriano (“Torturas de Amor”), Fagner (“Deslizes”) e até artistas mais recentes, como Aviões do Forró (“Morango do Nordeste”) e Deja Vu (“Chupa que é de Uva”).

E como a vida imita a arte (e vice e versa), algumas canções tornaram-se ícones de uma geração amante do brega, como “Moça”, de Wando, que pôs a virgindade em pauta em 1976, chocando os mais conservadores, e “Eu Vou Tirar Você Deste Lugar”, de Odair José, que retrata a paixão por uma prostituta e dá margem para que dois casais exponham, sem titubear, que se conheceram durante a troca de sexo por dinheiro.

E entre tantos personagens cativantes, o humor ganha corpo com o prefeito Osmar e suas duas esposas, expondo o comportamento de ambas diante da situação. E cara a cara com personagens machistas que beiram o escracho, o filme compensa, de maneira divertida, com mulheres confessando suas fantasias sexuais em depoimentos sinceros e ousados.

Apesar de alguns silêncios longos e desnecessários, “Vou Rifar Meu Coração” ganha o espectador, seja ele fã ou não do gênero brega, justamente por tratar da dor de amor, que acomete pessoas independente de cor, gênero, idade e classe social. E diante de tantas lembranças e esperanças, o filme mostra que paixões vêm e vão, mas a dor, muitas vezes, permanece. Inclusive, reforça a empatia com seu público ao colocar os próprios famosos para falar do tema, na qual temos Wando declarando que “a pessoa apaixonada fica ridícula”. E se é clichê, brega, piegas, é porque foi usado, explorado exaustivamente ao longo dos tempos.

Intencionalmente ou não, o filme cria relações curiosas durante sua narrativa, como Amado Batista e sua canção, “O Julgamento”, que fala de um crime passional, dividindo espaço com Lindomar Castilho que, em 1981, assassinou a esposa Eliane de Grammont e foi condenado a sete anos de prisão.

Feito de forma simples e sincera, Rieper se apossa dos próprios personagens e das canções para criar a narrativa de “Eu Vou Rifar Meu Coração”, que surpreende com o depoimento do travesti Marquise (um dos poucos personagens reais com identidade revelada) e ainda mostra, mesmo que timidamente, um casal gay se beijando enquanto dançam, em uma dedicatória ao amor universal (a imagem, inclusive, foi escolhida para estampar o cartaz oficial do filme).

“Eu Vou Rifar Meu Coração” peca, porém, ao colocar o cantor e vereador Aguinaldo Timóteo e suas declarações egocêntricas (“eu sou um monstro da música e canto melhor que Roberto Carlos”) e nada humildes, incluindo comentários machistas (como quando assume que, em momentos de solidão, usa seus belos carros para ir atrás de mulheres). Uma falha que não estraga o bom resultado do filme, mas que se mostra completamente descartável.

Léo Freitas
@LeoGFreitas

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