Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 03 de junho de 2012

Habana Muda: documentário mostra triângulo amoroso movido por interesse

Diretor Eric Brach narra a vida de um homem mudo que vê a chance de sustentar a família se for morar em Cuba com o namorado mexicano.

A renovação das propostas dos documentários é visível. Na tentativa de fugir do formato básico conhecido, os cineastas tentam elaborar películas originais, utilizando-se de novos recursos experimentais, ficcionais e narrativos que dão o tom de uma obra documental contemporânea. Os recentes “O Equilibrista” e “A Ponte” são apenas alguns exemplos de produções movidas pelo argumento forte e pela boa concepção do longa. O mesmo não se pode dizer de “Habana Muda”, produção francesa dirigida por Eric Brach.

Partindo de uma temática bastante curiosa, Brach observa um casal mudo que leva uma vida comum em Havana. Por meio de depoimentos em braille, o diretor registra a rotina de seus personagens. Conhecemos Chino, um homem que tenta sustentar a esposa e os filhos, enquanto mantém um relacionamento extraconjugal com o mexicano José, que o ajuda financeiramente. O interesse é sempre presente durante a toda a obra, mas a trama não condena Chino por suas atitudes, já que ele é apoiado pela esposa e amigos.

O documentário narra o plano de Chino e José de viverem juntos no México, mesmo que ele precise fugir ou burlar as leis para ficar ao lado do suposto amado. Com a provável mudança, Chino também é alertado que será bem mais discriminado no México por ser mudo. José e Chino dividem a cumplicidade de gostar um do outro e a vantagem de poder, digamos, “controlar” esse carinho por meio da interferência monetária. Cem dólares para José não é nada, enquanto para Chino é sinônimo de ganhar na loteria.

É interessante observar o incentivo da esposa de Chino, que também vê uma ótima saída para melhorar de vida. Eles não querem muito. O dinheiro é usado nos reparos domésticos, alimentação e vestimentas para os filhos. Mas José, em sua condição de patrão, promete mil coisas para Chino, como um carro e uma vida estável no México. Será? A paixão é passageira e o amor acaba um dia, então como ficaria a situação do herói caso José simplesmente conhecesse outra pessoa ou se desinteressasse da vida que escolheu? O longa nos responde no decorrer da projeção.

Após essa rápida leitura da trama, até parece que “Habana Muda” é uma ficção, e é neste ponto que o filme fracassa. A câmera de Eric Brach pouco nos dá segurança sobre a veracidade daquela história, até mesmo porque a relação entre depoimentos e personagens não cria uma unidade. É muito raro ver Chino e sua esposa como um casal que se ama, da mesma forma que José e Chino também nunca aparentam ser companheiros. Os personagens ganham mais força quando estão sozinhos, compartilhando seus pensamentos e angústias, mas no momento de dar funcionalidade à trama em geral, eles nunca parecem formar um triângulo amoroso.

Brach faz questão de filmar e montar o documentário quase como uma ficção, o que desagrada pela incerteza das relações estabelecidas em cena. Com apenas 61 minutos de história, os atos tentam se resolver muito rápido, principalmente o terceiro, quando os personagens precisam ter transformações notáveis e espontâneas, e nada disso acontece. O final é imposto goela abaixo do espectador, mudando de foco repentinamente e questionando a qualidade do que foi visto em tela.

A riqueza daqueles personagens e do trabalho de três anos do diretor em pesquisá-los acabam não fazendo diferença quando os créditos sobem, já que mesmo o carisma de Chino parece superficial frente àquela história que a obra quis contar. A impressão que fica é que o diretor interferiu tanto na relação casual do trio que ela se tornou frágil demais para sustentar o poder de seu argumento inicial. E, no caso de “Habana Muda”, essa interferência é lamentável.

Esse filme fez parte da programação do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, em maio/junho de 2012.

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Diego Benevides é editor chefe, crítico e colunista do CCR. Jornalista graduado pela Universidade de Fortaleza (Unifor), é especialista em Assessoria de Comunicação, pesquisador em Audiovisual e educador na linha de Artes Visuais e Cinema. Desde 2006 integra a equipe do portal, onde aprendeu a gostar de tudo um pouco. A desgostar também.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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