Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 02 de junho de 2012

Tiranossauro: vidas devastadas compõem drama impecável

Peter Mullan e Olivia Colman estão soberbos em filme dirigido pelo ator Paddy Considine.

Muitas tramas dramáticas são revisitadas frequentemente pelo cinema. O que os diferencia, geralmente, é o impacto que causa durante a jornada de seus personagens e a relação destes criadas com o espectador. É importante também verificar como o melodrama é dosado, sem comprometer o resultado final da película com excessos. Bons dramas são aqueles que se utilizam de um argumento simples para mostrar recortes de vidas atribuladas, sem moralismo. “Tiranossauro”, primeiro longa como diretor de Paddy Considine, tem um texto poderoso e bem interpretado pelo elenco, que dribla os clichês e envolve o público naqueles cotidianos podres e sofredores.

O roteiro, também de autoria de Considine, narra a trajetória de Joseph (Peter Mullan), um viúvo desempregado e bêbado, cujo temperamento o transforma em uma pessoa de poucos amigos. Sua vida, aparentemente abalada por perdas e desgostos, muda quando ele conhece Hannah (Olivia Colman), uma cristã que trabalha em uma loja de caridade, aparentemente feliz e disposta a ajudar os outros. Dois universos tão diferentes passam a se completar de maneira esquisita, porém sempre sincera, e descobrimos, ao longo da projeção, que a vida aparente dos personagens esconde mistérios e mudanças. Completa o elenco o sempre competente Eddie Marsan, como o marido agressivo de Hannah.

Considine transforma Joseph não apenas em um velho ranzinza, mas em um homem que tenta esconder sua sensibilidade após tanta decepção vivida, tendo raiva de absolutamente tudo e todos. Esse espectro do personagem se abala com a chegada da doce Hannah, que vive um relacionamento sem a perspectiva de se tornar mãe e sem compartilhar prazer com o marido James, que a violenta verbalmente, fisicamente e sexualmente. A entrada de Joseph na vida de Hannah também a transforma, já que ele é descrente de todos os argumentos religiosos e sociais da moça. Essa ruptura em ambos os aproxima e cria uma relação peculiar, que não chega ao romance, mas também não fica apenas na amizade. É uma espécie de cumplicidade e compreensão.

Por realizar uma mescla de situações e sensações dos personagens, em que a realidade crua incomoda durante o filme inteiro, desde a relação de Joseph com os vizinhos, até a introspecção raivosa de Hannah acerca de sua situação conjugal, Considine entrega dois personagens gigantes a Peter Mullan e Olivia Colman, que estão impecáveis no longa. Eles não levam o espectador a tomar partido de suas atitudes, nem mesmo a assistir passivamente a tudo que é jogado em tela. Os atores dão espaço ao público para perceber que aquele recorte de suas vidas é uma cruel possibilidade e que cada um possui suas mazelas, tristezas e raivas.

Na cadeira de diretor, Considine mostra tato ao lidar com histórias fortes e, principalmente, ao trabalhar com todo o seu elenco, até mesmo com os personagens que pouco aparecem em tela. Para ele, o que importa é a composição real como um todo daquele universo deteriorado e um tanto quanto mórbido. O acompanhamento das belíssimas fotografia e trilha sonora também auxiliam a criar um mundo violento, com personagens que erram, se sabotam e são vulneráveis. O resultado rendeu o prêmio Bafta de Melhor Filme do ano passado, sendo uma verdadeira surpresa sua ausência na lista do último Oscar.

Aparentemente, o título “Tiranossauro” remete diretamente a uma metáfora sobre a raiva do ser humano e a luta pela sobrevivência do mais forte. Não deixa de ser uma leitura. Mas em determinado momento da película, Joseph justifica o nome da produção por meio da principal memória que o transformou no homem que é e que, ainda assim, tem a esperança de acuar os conflitos pessoais e sociais para tentar viver sobreviver no mundo. Uma história forte, bem realizada e com atuações soberbas afastam o longa do melodrama exagerado e mostra que cada um tem suas desgraças para carregar na vida.

Esse filme fez parte da programação do 16º Cultura Inglesa Festival, em São Paulo, em maio de 2012.

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Diego Benevides é editor chefe, crítico e colunista do CCR. Jornalista graduado pela Universidade de Fortaleza (Unifor), é especialista em Assessoria de Comunicação, pesquisador em Audiovisual e educador na linha de Artes Visuais e Cinema. Desde 2006 integra a equipe do portal, onde aprendeu a gostar de tudo um pouco. A desgostar também.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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