Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 21 de maio de 2012

Plano de Fuga: Mel Gibson se mostra em casa neste western moderno

Divertido, ácido e politicamente incorreto, esta volta de Gibson aos filmes de ação nos apresenta um western spaghetti nos dias atuais, homenageando não só Sergio Leone, mas a persona cinematográfica de seu astro.

Sem Mel Gibson, este “Plano de Fuga” jamais funcionaria. O eterno Martin Riggs, após passar por uma série de problemas pessoais que minaram sua credibilidade junto ao público estadunidense, estrelou, produziu e co-roteirizou este projeto, aproveitando-se a cada fotograma de sua já consagrada persona cinematográfica. O que temos aqui é a volta do cara durão, sempre com uma resposta sarcástica na ponta da língua e cujas ações questionáveis escondem uma possibilidade de redenção.

Gibson trabalhou no texto ao lado dos novatos Stacy Perskie e Adrian Grunberg, com este último também assumindo a direção do longa. O trio foi claramente influenciado pela obra do cineasta italiano Sergio Leone. Durante os anos 1960, Leone moldou, ao lado de nomes como Clint Eastwood e Charles Bronson, a figura do “Homem Sem Nome” nos westerns spaghetti.

Esse arquétipo cinematográfico consistia naquele pistoleiro solitário de caráter dúbio que chegava a um povoado por conta de algum motivo obscuro, acabando por ajudar os habitantes locais com algum problema ou caçando algum bandido. Esse cowboy anônimo do velho oeste é revisitado aqui, reencarnando na figura de um Mel Gibson que toda uma geração aprendeu a gostar, apresentado ao cínico século XXI em um cenário cheio de humor negro.

Na trama, um bandido americano é pego na fronteira dos EUA com o México com sacolas de dinheiro, sendo jogado em uma prisão conhecida como El Pueblito, um lugar que mais parece uma cidadezinha sem lei, governada pela família do gângster Javi (Daniel Giménez Cacho). Fazendo amizade com um garotinho local (Kevin Hernadez) e sua mãe (Dolores Heredia), o gringo tem de dar um jeito de sair de lá, recuperar o dinheiro e escapar do mafioso Frank (Peter Stormare), de quem roubou a grana em primeiro lugar.

Assim como naqueles faroestes clássicos, muito do que faz a fita funcionar é o carisma de seu anti-herói. Ora, o personagem sem nome é um criminoso de carreira, com uma folha corrida maior que a Torre Eiffel e que, em dado ponto da projeção, admite ter inclusive tentado matar seu pai abusivo. Como o público se interessaria pelo bem-estar de um homem tão violento e nocivo?  Ora, fazendo-o ser Mel Gibson.

Não é só uma questão do protagonista ser interpretado pelo ator, mas deste assumir todos os trejeitos pelos quais Gibson ficou mundialmente famoso. Coloque-o ainda confrontando bandidos piores ainda e interagindo com uma família – principalmente com um garoto, assumindo uma função de figura paterna – e o ofereçam uma chance de redenção, mesmo que esta não seja necessariamente aceita e a plateia começa a sentir alguma empatia por ele.

De modo inteligente, o roteiro mescla ação e humor negro, sempre fazendo com que nosso ladrão desconhecido fale conosco através de uma narração em off, criando uma relação de intimidade entre ele e a audiência. Deste modo, as cenas de tiroteio ganham uma dimensão emocional necessária para o sucesso da empreitada, pois o destino desse simpático malandro está em jogo.

É uma produção que passa longe de ser politicamente correta. Temos crianças fumando, estereótipos raciais, tudo o que se pode imaginar, sempre com comentários ácidos por parte do anônimo. Além disso, em uma jogada quase tarantinesca, a influência dos westerns spaghetti no filme é reconhecida de um modo hilário.

Gibson se entrega de corpo e alma ao papel, fazendo o que sabe fazer de melhor. O astro corre, atira, faz piadinhas, é sedutor e, ao mesmo tempo, reconhece os seus mais de 55 anos de idade. A câmera de Grunberg foca nas rugas e linhas de expressão do ator, jamais tentando fazer com que este pareça mais jovem ou glamouroso. Mesmo seu interesse amoroso na narrativa passa longe de ser uma beldade hollywoodiana.

Kevin Hernandez e Dolores Heredia, os atores que vivem a família que interagem com o bandido americano, também fazem um trabalho fenomenal. Hernandez estabelece uma ótima química com Gibson e não age apenas como o garotinho bonitinho, o que destruiria toda a atmosfera do El Pueblito. Por sua vez, Heredia se mostra uma mãe das mais protetoras, com a atriz se saindo maravilhosamente bem em uma complicada cena de tortura, que encontra eco em um dos momentos mais lembrados do primeiro “Máquina Mortífera”.

O duelo entre nosso anti-herói e Frank e a motivação para o confronto final dele com e Javi são tão absurdos que se torna impossível não reconhecer e abraçar a farsa do longa, com Daniel Giménez Cacho e Peter Stormare embarcando na brincadeira como os proverbiais  “bandidos de chapéu preto” do longa, se apresentando de maneira deliciosamente caricata.

O argentino Adrian Grunberg já foi assistente de direção de cineastas como Tony Scott, Sam Mendes, Martin Campbell, Oliver Stone e do próprio Mel Gibson e, em sua de estreia na cadeira principal, parece ter aprendido bem suas lições. Acertadamente, Grunberg aposta em um visual sujo retratado por cores quentes, em uma fotografia estourada que combina muito bem com o universo corrompido que seus pitorescos personagens habitam.

O ritmo do filme e o caos ordenado da projeção contagiam, mostrando dinamismo mesmo no uso da câmera lenta, como no tiroteio entre bandidos de ambas as facções. Com “Plano de Fuga”, Gibson mostra que, mesmo não sendo exatamente o homem mais correto do mundo, ainda consegue chutar muitos traseiros na frente das câmeras e entreter seus fãs.

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Thiago Siqueira
 é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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