Sem grandes pretensões, produção se arrasta para contar a história de uma luta épica, que é maniqueísta por si só.
Depois de tantos documentários dedicados a geniais músicos brasileiros, o esporte nacional acaba de receber uma atenção merecida do gênero. Mas foi preciso um diretor norte-americano para alcançar tal feito. Em “Anderson Silva: Como Água”, o estreante Paulo Croce aproveita-se da nova febre mundial e mira suas câmeras no MMA, mais especificamente no mais aclamado de seus lutadores, o brasileiro Anderson Silva. Ao fugir de lugares comuns, o cineasta alcança um resultado atípico, que, porém, esbarra em uma simplicidade exagerada e em maniqueísmo advindo de seus próprios personagens.
Não se trata de um doc que visa contar a história de vida de seu protagonista. Na verdade, pouco sabemos sobre a família de Silva, além do fato de que possui quatro filhos e mantém uma relação bastante estável com a esposa. O foco está na preparação nos EUA para uma específica luta que ele irá realizar em poucos meses, e tudo depois de uma polêmica defesa de título que o fez ganhar detratores, além de ter decepcionado outros tantos, como o próprio Dana White, presidente do UFC, o Ultimate Fighting Championship.
Logo, em seu objetivo de apresentar Anderson Silva em um curto espaço de tempo, falta material para conhecermos melhor o profissional e o que faz dele tão diferente dos outros. Pouco da técnica especial do lutador é exibida, além de alguns treinos de ataque e defesa nada explicativos para leigos no assunto. A pouca participação e depoimentos de especialistas no ramo, ou mesmo de seus treinadores, também contribui para tal sensação. Elogios de executivos a colegas de trabalho nunca se aprofundam sobre a temática, permanecendo no nível dos adjetivos.
Por outro lado, o homem Anderson é apresentado com mais cuidado e delicadeza, seja ao mostrá-lo, por diversas vezes, falar por telefone com a família enquanto a saudade não pode ser compensada ou deixar claro a sua religiosidade ao flagrá-lo rezando após sua luta. Descontruindo o preconceito carregado por profissionais das artes marciais, Paulo Croce sabe como se aproveitar de uma personalidade tranquila e descontraída, que jamais deixa os filhos e a esposa em segundo plano e que também é dona de um humor inspirado e sarcástico que ajudam a transformar seu oponente em um vilão dos mais odiados.
Chael Sonnen, o lutador que terá o desprazer de enfrentá-lo em alguns meses, já é uma caricatura por si só, que fica ainda maior quando comparada à tranquilidade de Silva. O diretor do filme até tenta exibir um Sonnen diferente daquela figura arrogante que ele mesmo fez questão de construir, especialmente ao mostrá-lo treinando alguns jovens. Mas as declarações disparadas na imprensa pelo norte-americano são difíceis de ignorar e Paulo Croce acaba caindo nessa armadilha que contribui para que o futuro confronto adquira um tom maniqueísta.
E é nesse fato de trazer atos de estupidez por parte de Sonnen seguidos de respostas à altura do brasileiro que “Como Água” perde ritmo, mesmo com seus cerca de 70 minutos de duração. A impressão, por diversas vezes, é de que a produção poderia ser encurtada em meia hora ou buscar ampliar a abrangência de seu objeto. Tentando criar expectativa em torno de seu ato final, o documentário se alonga com repetições e ênfases desnecessárias. E quando o momento de os dois entrarem no octógono chega, não há nada de muito especial guardado pelo diretor.
Croce, porém, mantém uma relação de naturalidade com seus personagens. Em diversas sequências, impressiona o nível de realismo alcançado pelo cineasta, arrancando momentos de descontração e de sincera seriedade, especialmente por parte Anderson Silva. Pena que conheçamos tão pouco deste profissional impressionante que merecia um documentário melhor, assim como um adversário mais respeitável. Com uma carreira ainda em construção, o lutador ainda tem material suficiente para uma futura história bem mais interessante.
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Darlano Dídimo é crítico do CCR desde 2009. Graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é adorador da arte cinematográfica desde a infância, mas só mais tarde veio a entender a grandiosidade que é o cinema.