Embora a trama seja bem desenvolvida, o discurso sócio-político falha pela superficialidade.
Nos últimos anos, um sentimento de desilusão tem tomado conta de muitas das grandes produções de Hollywood. Embora isto não seja novidade, hoje é mais perceptível como o atual contexto sócio-político global e o acesso fácil às informações que antes eram omitidas da população batem de frente com a ideologia conservadora americana. A fórmula do mocinho e do bandido, que tanto veiculou determinados valores e interesses, tem sido revista e questionada. Tais figuras não encontram mais correlatos reais, uma vez que cada atitude das pessoas e dos personagens agora é racionalizada e julgada de forma menos ingênua.
Dirigido por Daniel Espinosa, “Protegendo o Inimigo” traz um pouco dessa visão crítica, embora dê mais atenção a outros aspectos. Trata-se da tortuosa missão de um inexperiente agente da CIA chamado Matt Weston (Ryan Reynolds). Inicialmente, sua tarefa era apenas a de tomar conta do abrigo para o qual seria levado o famoso ex-agente Tobin Frost (Denzel Washington), acusado de traição e considerado um inimigo do país. Porém, devido a uma invasão ao local por outro grupo que também quer pôr as mãos em Frost, custando a vida de toda a equipe da CIA responsável por ele, o “zelador” se vê repentinamente incumbido de garantir a segurança do perigoso prisioneiro até que este seja transferido para outra equipe.
O roteiro de David Guggenheim tem uma estrutura satisfatória para a introdução dos protagonistas. Apresentando-os individualmente por meio de suas ações e sem cair na pura explicação, o primeiro ato prepara bem o terreno para o momento de encontro dos dois. Uma vez que o público já tem uma boa noção de suas respectivas personalidades e capacidades, criam-se mais expectativas sobre como se dará a relação entre ambos. Por outro lado, o didatismo se faz presente mais adiante, quando são levantadas as fichas de Frost e Weston por autoridades da CIA, dando ao público uma breve e dispensável satisfação sobre o passado de cada um com a justificativa de informar os profissionais da Inteligência.
Em um primeiro momento, há um domínio psicológico e satírico por parte de Frost, o que chega a ser óbvio demais quando se trata de um criminoso seguro de si lidando com um profissional sem muita experiência e visivelmente apavorado com a situação. Felizmente, isso dura pouco, pois ambos são obrigados a se preocupar mais com a sobrevivência e objetivos particulares. A partir daí, os diálogos se tornam um pouco mais naturais, obtendo mais funcionalidade narrativa do que se insistissem nos jogos mentais. A química entre os dois atores funciona bem. Surpreendentemente, Reynolds consegue acompanhar o talento de Washington, que não tem que carregar o filme sozinho.
Vera Farmiga e Brendan Gleeson, que interpretam respectivamente Catherine Linklater e David Barlow, dois superiores de Weston, são forçados a uma atuação padrão do gênero para seus tipos de personagem, sem praticamente nenhuma profundidade dramática. No caso de Linklater, essa superficialidade não faz tanta falta quanto em Barlow. Este, que funciona quase como uma figura paterna a Weston, poderia contribuir muito mais para a trama se suas motivações fossem construídas a partir de uma melhor elaboração psicológica do personagem. Em vez disso, ele apenas se dilui entre os outros profissionais da CIA, sem muito destaque até quase o fim do longa.
As sequências de ação não adicionam muito ao que somos acostumados a ver no cinema. Entretanto, elas são bastante viscerais. As perseguições de carro são compostas por vários planos fechados, preocupando-se mais com a reação dos personagens do que com a ação propriamente dita. As coreografias das lutas são propositalmente desajeitadas. Os indivíduos não se atacam apenas com socos e pontapés, mas também se agarram e rolam no chão, parando frequentemente para medir a força bruta olho no olho, exibir cansaço, etc. Essa crueza é evidenciada pela fotografia de Oliver Wood, bastante contrastada e granulada.
“Protegendo o Inimigo” tem uma proposta crítica interessante, mas superficial. Apesar de elaborar decentemente a reviravolta na forma com que o protagonista encara sua profissão e os envolvidos nesta, contenta-se em garantir o sucesso comercial do filme com uma conclusão pouco relevante para o tipo de abordagem que foi insinuada. Dessa forma, o longa acaba por cair na própria armadilha, desconstruindo tudo o que havia questionado e atendendo à manutenção do status quo.
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Thiago César é formado em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mas aspirante a cineasta. Já fez cursos na área de audiovisual e realiza filmes independentes.