Embora o romance entre o assistente e a diva seja o mote do filme, o que há de mais interessante no longa é a sua visão dos bastidores de uma produção dos anos 1950.
Quando os deuses gregos desciam do Monte Olímpio para suas aventuras “românticas” com os meros mortais, geralmente a coisa não acabava bem para os pobres humanos. E se o panteão olimpiano hoje em dia tem como avatares as estrelas de Hollywood, é difícil pensar em outra pessoa para representar Afrodite se não Marilyn Monroe.
Em “Sete Dias Com Marilyn”, temos a adaptação cinematográfica do diário de Colin Clark (Eddie Redmayne), um jovem vindo de família rica que, apaixonado por cinema, largou o conforto de seu lar e acabou entrando para a produtora de Sir Laurence Olivier (Kenneth Branagh) como terceiro assistente do diretor justamente durante a feitura de “O Príncipe Encantado”.
Durante as turbulentas filmagens, o rapaz acaba se aproximando da problemática Marilyn (Michelle Williams), que estava no auge de sua fama e fora convidada para estrelar a produção, a pedido de um encantado Olivier. Envolvendo-se no mundo da diva, Colin descobre mais e mais sobre como seus ídolos nem sempre são tão encantadores.
È difícil não reparar que 2011 foi um ano com diversos filmes que, de um modo ou de outro, remetiam ao cinema de outrora. Assim como “A Invenção de Hugo Cabret” e “Cavalo de Guerra”, “Sete Dias Com Marilyn” nos traz um bom exame da Sétima Arte de uma época passada, com seu retrato dos bastidores do filme dirigido por Oliver sendo o ponto alto desta produção comandada por Simon Curtis.
Acompanhar as diversas tentativas de Olivier em fazer com que Marilyn se adapte ao seu estilo de trabalho e abandone as instruções de sua consultora, os atrasos constantes no cronograma graças às crises da estrela, a evolução do desempenho da loura por meio dos dailies e a interação da estrela americana com o elenco britânico, bem como os setores sem muito glamour da produção, vistos pelo olhar fascinado de Colin… Tudo isso nos dá momentos bem mais ricos que o affair entre o protagonista e a personagem-título, por mais que esse plot tente tomar à frente da trama.
Não digo que Eddie Redmayne e Michelle Williams não possuem química em cena. O fato é que as incessantes e repetitivas lamentações de Marilyn para Colin no segundo ato soam extremamente artificiais, reduzindo-a a uma “pobre menina rica”. Williams faz o possível para superar a poderosíssima imagem que o público tem em seu inconsciente coletivo da platinada atriz e fazer desta uma figura tridimensional, isso simplesmente não acontece, esvaziando a carga emocional que é exigida nas cenas mais dramáticas envolvendo o romance.
Como a “fragilidade” de Marilyn é crucial para que o público se emocione com o relacionamento condenado entre a estrela e Colin, essa trama específica simplesmente não prospera. A condição mais “humana” desta é melhor explorada fora do relacionamento dos dois, na dependência da atriz de sua professora (Zoë Wanamaker) e em momentos como aquele que Colin a vê sem maquiagem pelo espelho do camarim.
Colin também não é um personagem dos mais fascinantes. Sabemos pouco dele além de seu amor pelo cinema e do fato de vir de berço. Mesmo seu namorico com a assistente de figurinista, vivida por Emma Watson, revela muito pouco sobre ele para nós. Tanto é que mal sentimos sua evolução ao final da projeção, tendo esta de ser explicitada através de um diálogo.
No entanto, outro casal que vemos em cena faz valer o ingresso. A escalação de Branagh para o papel do ator e diretor shakespeariano Laurence Olivier é perfeita, principalmente pelos paralelos profissionais desses dois estandartes das artes cênicas. As frustrações e anseios do aqui personagem, tanto como artista quanto como pessoa, são transmitidas para o público de maneira tal que é difícil até para aquele improvável membro da audiência que jamais ouviu falar de Olivier não se sentir tão embasbacado por sua presença quanto Colin.
Julia Ormond, por sua vez, interpreta Vivien Leigh, a eterna Scarlett O’Hara. Ormond aparece pouquíssimo em cena, mas o arco de sua personagem e os conflitos desta são infinitamente mais interessantes que os de Marilyn, com Leigh tendo de lidar com a sensação crescente de abandono por parte de Olivier e o fato de que, conforme vai envelhecendo, se torna progressivamente menos amada pelo marido e pelo público, algo agravado pelo fato de que Monroe está fazendo um papel anteriormente havia sido dela.
Derek Jacobi e Toby Jones, além da fabulosa Judi Dench, também surgem em papéis menores, com destaque para Dench, cujos diálogos com Michelle Williams humanizam sem clichês a figura de Marilyn. Figurino e direção de arte também contribuem para uma ótima representação da segunda metade dos anos 1950. No departamento musical, saudações para Alexandre Desplat, confirmando que 2011 fora realmente o seu ano.
“Sete Dias Com Marilyn” pode não funcionar como romance, mas nos pinta um interessante retrato de uma turbulenta produção do passado, em um ótimo resgate histórico. Pena que este não seja o foco principal do longa.