O potencial da premissa é mal aproveitado em prol do entretenimento.
Sobrevivência. Ausência de objetivos e foco inteiramente no agora. A falta de esperança enfraquece tudo, e o que era colorido se torna uma imensidão cinza. Os confortos e caprichos da vida humana não têm mais valor algum. É preciso se agarrar somente ao que sobra de mais fundamental em toda a existência: uma pessoa, uma crença, um sonho, o que for. Apenas assim é que se constrói algum sentido em lutar pela própria vida quando tudo ao redor se mantém frio e oposto a ela.
Em “A Perseguição”, nada é mais evidente do que a desilusão. Após uma temporada de trabalho no Alaska, um grupo de petroleiros tem que voltar para casa. O avião que os transporta cai e apenas sete pessoas sobrevivem. Rodeados por neve, os sobreviventes têm que se manter vivos em um ambiente inóspito. Como se não bastasse, eles ainda precisam se defender de um perigo maior e diretamente ofensivo: lobos selvagens.
O roteiro de Ian Mackenzie Jeffers e do diretor Joe Carnahan parece estabelecer uma interessante relação simbólica entre os lobos e os conflitos internos do protagonista Ottway, interpretado por Liam Neeson. A vulnerabilidade imposta ao personagem o põe cara a cara com a escolha acerca do rumo que sua vida deve tomar. Seu caráter depressivo, fruto de um amor perdido, é obrigado a se converter em força para continuar lutando. É como se os lobos fossem seus próprios demônios, cobrando-lhe uma postura de auto-preservação.
A proposta é bem interessante, mas muito mal executada. À medida que a trama se desenvolve, a figura dos lobos é rebaixada ao nível concreto, funcionando simplesmente como algo do qual os sobreviventes têm que fugir. A atmosfera pessoal do primeiro ato é drasticamente substituída por uma interação mal trabalhada de personagens desinteressantes. A tentativa de compensar o erro dando aos coadjuvantes alguma importância na trama rende apenas uma cena clichê totalmente descartável de pessoas em volta de uma fogueira contando suas histórias e fragilidades, que também não cumpre sua função de criar empatia entre eles e o público. Isso torna as cenas de morte (sim, é claro que há) puro entretenimento, pouco importando a perda de alguém, salvo uma específica a qual se dá maior atenção dramática, tornando-se talvez a melhor sequência de todo o filme.
Outra falha do roteiro são os diálogos extremamente didáticos. Algumas conversas são tão irrelevantes para a trama que parecem ter sido inclusas somente para dar satisfações ao público sobre o que está acontecendo exatamente. Por exemplo, quando um dos personagens se sente mal, alguém pergunta o que ele sente, por que ele sente e por que só ele está sentindo aquilo. Outro caso é o conhecimento do protagonista a respeito de lobos, que é exposto de forma verbal frequentemente: seus costumes, o que eles comem, onde eles atacam etc. O tempo gasto nestes diálogos poderia ser muito melhor aproveitado se voltado para o modo como os sobreviventes lidam com sua condição, o que ajudaria bastante a desenvolver melhor os coadjuvantes.
Embora Carnahan pareça não se dar conta da potencialidade da premissa que tem nas mãos, limitando-se a uma direção rasa no tocante à elaboração dos simbolismos, consegue ser efetivo na construção de uma atmosfera de constante perigo. Os lobos estão sempre à espreita e quase nunca dão descanso aos sobreviventes. Ironicamente, são os animais que sustentam o interesse do público no longa, fazendo-nos torcer por mais uma aparição destes e consequente morte de um dos membros do grupo. Isso porque, a esta altura da história, o único personagem que poderia ser interessante, Ottway, serve apenas como estereótipo de líder sério e experiente, tendo toda sua profundidade psicológica abafada pela superficialidade narrativa.
As atuações são competentes, mas ficam condicionadas à padronização, uma vez que não se explora decentemente a psicologia dos personagens. Com relação aos coadjuvantes, isso não faz tanta falta, pois o filme não é sobre eles. Já em Ottway, a carência é grande. O vínculo íntimo entre o espectador e o protagonista foi quebrado junto com os pedaços do avião caído. No momento em que se dá a virada para o segundo ato, a narrativa se desenvolve em prol do entretenimento que o gênero oferece. Dessa forma, toda a dramaticidade de Ottway é suspensa para retornar apressadamente no final do filme.
A grande falha de “A Perseguição” é a mudança de abordagem. Ela deixa de ser introspectiva para se tornar impessoal. Não que uma seja melhor do que a outra, mas a quebra em si já mostra insegurança ou desinteresse em trabalhar certos aspectos com mais dedicação. É visível que o longa tem mais a oferecer nas cenas em que Neeson atua praticamente sozinho, com pouca interação com outros personagens e quase sem falas. Nestes momentos, percebe-se claramente a intenção do filme, tornando todo o resto supérfluo. A premissa e o caráter do protagonista sugerem uma temática de sobrevivência mais da alma do que do corpo. Entretanto, nem o roteiro nem a direção parecem querer se debruçar sobre esta reflexão por inteiro.
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Thiago César é formado em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mas aspirante a cineasta. Já fez cursos na área de audiovisual e realiza filmes independentes.