Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 27 de abril de 2012

A Vida em um Dia: doc reúne gravações de pessoas do mundo todo

Ousado e bem realizado, projeto produzido por Riddley e Tony Scott coletou mais de 4 mil horas de vídeo de 192 países.

Atualmente o site YouTube recebe, por minuto, 60 horas de vídeo, com cerca de 4 bilhões de visualizações por dia. A marca é um feito incontrolável e espantoso, sem sombra de dúvida. Neste mundo globalizado de compartilhamento de informações há, literalmente, de tudo para se assistir. Pretensões à parte, é a vida alheia e própria exposta em um banco de dados de proporções gigantescas.

Assim nasce “A Vida em um Dia”, projeto dirigido por Kevin Macdonald em parceria com outros 16 co-diretores e produzido por dois pesos-pesados de Hollywood, Ridley Scott (“O Gladiador”) e Tony Scott (que se destaca mais pela produção de grandes blockbusters do que pela direção). A ideia era espalhar que pessoas ao redor do mundo enviassem  vídeos de suas vidas registrados em um único dia: o sábado de 24 de julho de 2010. O resultado foi espantoso: mais de 4.500 horas de gravações vindas de 192 países. Editadas, formaram o mosaico de 90 minutos de “A Vida em um Dia”.

Seguindo uma ordem cronológica (dos primeiros momentos da madrugada às 23h59), pessoas comuns expõem sua intimidade e rotina diante das lentes. Sem nenhuma identificação (como nome ou nacionalidade), os personagens vão surgindo com minúsculas histórias permeadas por uma infinidade de cenas (muitas não durando mais do que um ou dois segundos) de detalhes de um espaço perdido que se acha no tempo. Inclusive, o tempo nunca é deixado de lado, sempre mostrado de alguma forma pelos autores.

Por meio do anonimato e de uma edição competente, o documentário traz uma teia de imagens que, inegavelmente, sempre têm algo a dizer. Assim, pessoas comuns das mais diversas raças, culturas, crenças, sexos e idades revelam fragmentos de sua existência. Engana-se quem acredita que o resultado decepciona. Pelo contrário, a quantidade e a rapidez de informações, auxiliadas pela ótima trilha sonora, criam um caleidoscópio de imagens empáticas, emocionantes e chocantes. Obviamente, alguns registros podem frustrar o espectador (como o homem que filma sua subida e descida dentro do elevador), cujo propósito, inclusive, é também expor a futilidade do que se torna público em tantos links espalhados pelo mundo virtual.

Para direcionar os participantes, algumas perguntas também foram feitas e deveriam ser respondidas de forma imagética, como “o que você tem no bolso?”, “o que você ama?” e “do que você tem medo?”. Neste corte e costura de respostas que em momentos se perdem no encadeamento, tudo é respondido exibindo desde pequenos detalhes, passando por depoimentos até desembocarem em olhares, atos e emoções de pessoas parecidas com qualquer um de nós.

De rituais religiosos (sejam louvores a deuses ou cerimônias de casamento), passamos pela celebração da vida (o nascimento de animais e humanos) ou o fim dela (a morte propriamente dita) até nos identificarmos com histórias de superação (a mãe doente cuidada pelo filho e marido, o homem que cruza há quase dez anos o mundo em cima de uma bicicleta ou a família que mora em um cemitério em condições sub-humanas). A frase “uma imagem vale mais do que mil palavras” não poderia ser mais propícia, na qual a crítica social, rapidamente inserida, se dá, por exemplo, ao mostrar um homem em seu carro de luxo, enquanto um garoto trabalha nas ruas como engraxate para ganhar alguns poucos trocados.

Como era de se esperar, os mais emocionantes registros reúnem histórias sobre o amor. São propostas de casamento, rejeições, casais duradouros e a tristeza de duas pessoas separadas pela guerra. Diante de revelações mais profundas sobre os medos, surgem respostas como política, solidão, homossexualidade, perda, violência e morte. E neste morde-assopra da humanidade, onde amor/ódio e felicidade/tristeza convivem em uma paradoxal e tensa harmonia, “A Vida em um Dia” pode ser considerado um retrato aparentemente simples de nossas vidas – visto que cada um de nós é, de certa forma, representado por aqueles anônimos – mas traz uma celebração competente de detalhes de nossas vidas em um documentário curioso que merece ser visto.

ASSISTA ao Trailer: A Vida em um Dia
ASSISTA ao Vlog Iradex sobre o filme

Léo Freitas
@LeoGFreitas

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