Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 11 de fevereiro de 2012

Guerreiro: drama de MMA rende boas atuações, apesar de trama mal resolvida

Nick Nolte é o grande destaque e foi indicado ao Oscar pelo personagem.

Filmes envolvendo esportes costumam render ótimos arcos dramáticos a seus personagens. Quando o esporte em questão é de luta, esta geralmente funciona como uma metáfora para superação pessoal ou aos obstáculos da vida. Porém, no caso de “Guerreiro”, a luta MMA nada mais é do que um acerto de contas, saindo do lugar comum e dando outras dimensões ao significado do embate.

O longa conta a história de uma família desestruturada, onde cada um de seus membros vive separado devido a trágicos eventos do passado. Depois de anos, Tommy (Tom Hardy) visita seu pai, o ex-treinador de MMA Paddy Conlon (Nick Nolte), com o único intuito de ser treinado por ele. Mas para Paddy, esta é uma grande oportunidade para refazer os laços com seu filho. Paralelamente, Brendan (Joel Edgerton), irmão de Tommy, também é obrigado a voltar a lutar por motivos financeiros. A partir daí, os três têm que reviver os traumas do passado de uma forma que só o perdão pode resgatar a união familiar.

O roteiro de Gavin O’Connor, Anthony Tambakis e Cliff Dorfman é bastante sólido na construção dos personagens. A narrativa é paciente nesse sentido, dando um grau de naturalidade aos diálogos e às sequências que só contribui para o nosso interesse pela história. As dificuldades financeiras e o abalo conjugal de Brendan, assim como o arrependimento e a necessidade de perdão de Paddy conseguem extrair do público um considerável nível de empatia. Por outro lado, a frieza de Tommy serve como barreira à sua psicologia, sendo suas motivações pouco claras até a metade do longa. Isso é compensado uma vez que o mistério envolvendo o personagem sempre é trabalhado em função de seus familiares que, junto à sua forte personalidade, sustentam o vínculo e a preocupação do espectador por ele.

O mesmo roteiro que introduz e desenvolve a trama satisfatoriamente peca na sua resolução. A estrutura é ousada, concentrando o terceiro ato somente no torneio e dando a devida atenção a cada luta dos irmãos Conlon. Porém, essa quebra brusca no ritmo do filme, em vez de proporcionar mais ansiedade, acaba por amenizar a forte carga dramática que se vinha trabalhando desde o início. Dessa forma, nosso vínculo com os personagens se transforma em um simples interesse pelas lutas, alheio à importante função narrativa que estas deveriam exercer. Mesmo o realismo do ótimo trabalho coreográfico dos embates não é o bastante para nos fazer duvidar do rumo que cada luta irá tomar, limitando-se a proporcionar apenas entretenimento.

A inteligente direção de Gavin O’Connor (“Força Policial”) impõe uma atitude reservada à câmera. Na grande maioria dos planos, ela se mantém distante da ação principal e escondida atrás de algum objeto desfocado, usando bastante o zoom. É quase uma câmera espiã, mas muito respeitosa. Ela se interessa pela história dos personagens, mas ao mesmo tempo reconhece que seus dramas são íntimos demais para serem violados por sua presença. Essa distância só não é mantida em ambientes fechados e pequenos, onde tal postura é fisicamente inviável. Porém, no clímax, ela toma a liberdade de participar da luta (física e emocional). Compondo planos mais fechados, diretos e intimistas, ela parece cobrar dos protagonistas algo além da raiva e da ambição que envolve todo o contexto da sequência.

Isso também contribui muito para a qualidade das atuações. Como muitas vezes os atores não estão vendo a câmera no momento em que interpretam, sentem-se mais envolvidos com a atmosfera do filme, entrando profundamente na pele dos personagens. Brendan é com quem mais facilmente estabelecemos um vínculo. Parte disso é mérito da competente atuação de Edgerton, mas talvez o maior suporte venha do próprio arco dramático do personagem, que é o mais bem trabalhado de todos. Hardy também cumpre bem seu papel dando a Tommy uma ambiguidade maior e mais interessante do que a proposta pelo roteiro, o que talvez tenha salvado seu personagem de ser tachado como o vilão da história.

O grande astro do filme é Nick Nolte, que não por acaso foi indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante por este papel. Apesar de seu personagem ter sido praticamente esquecido no terceiro ato, sua atuação até ali consegue gerar no público uma necessidade de conhecer melhor a história e a cabeça de Paddy. Sua sinceridade ao expressar arrependimento faz com que nós sejamos os primeiros a perdoá-lo por qualquer coisa que ele tenha feito antes.

A fotografia de Masanobu Takayanagi é comportada, mas reage bem às variações da atmosfera dramática que rodeia os personagens. As cores frias ao longo do filme condizem bem com a relação passivo-agressiva entre os membros da família Conlon. Entretanto, em momentos específicos de tensão entre eles, esta se torna nitidamente amarelada, remetendo aos desgastes dos traumas revividos e absorvendo todo o rancor guardado por anos que agora vê uma brecha de escape. Isso pode ser observado logo no começo do filme, no reencontro entre Tommy e Paddy, e mais adiante, no reencontro entre Paddy e Brendan.

No geral, “Guerreiro” se aproveita muito bem da atual moda do MMA para integrá-lo ao glorioso hall dos dramas envolvendo esportes de luta. O descuido na estrutura e o aparente desinteresse do roteiro em resolver os conflitos entre os personagens de forma mais tranquila não comprometem o resto do filme. A paciente construção dos personagens e de suas relações combinado às excelentes atuações do trio protagonista foi o bastante para garantir um resultado satisfatório para a proposta do longa.

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Thiago César é formado em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mas aspirante a cineasta. Já fez cursos na área de audiovisual e realiza filmes independentes.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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