Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 02 de outubro de 2011

Contra o Tempo (2011): um cenário post mortem norte-americano

Imagine que o seu direito ao descanso eterno fosse negado em prol da defesa de sua pátria. Embate ético e uso da física quântica para controle do passado são discussões levantadas em ficção científica.

Algumas vezes o mote secundário de um filme dá fortes indícios de que, se colocado em primeiro plano, renderia melhores resultados que o exibido pelo produto original. É o que acontece em “Contra o Tempo”, nova ficção científica do diretor Duncan Jones focada na aplicabilidade dos princípios da física quântica no controle do passado em prol do futuro.  O assunto acessório é a questão ética levantada pelo modo como é possível realizar tal proeza: com o uso da frequência cerebral adormecida de pessoas mortas.

O tema central é, sem dúvidas, interessante, e recebe um tratamento bastante atual em “Contra o Tempo”.  A Guerra do Afeganistão e o terrorismo são palavras recorrentes durante toda a trama e ajudam a estipular a temporalidade dos fatos, possivelmente inseridos em algum dia entre o ano de 2001, quando os Estados Unidos iniciaram a invasão do país islâmico, e o presente momento.

Jake Gyllenhaal é o capitão Colter Stevens, veterano combatente que se encontra preso em uma espécie de cápsula atemporal e cuja única ligação com o tempo presente é um monitor de vídeo que exibe a imagem de Goodwin (Vera Farmiga, de “A Órfã”), pessoa com quem mantém contato e aquela que vai explicar o propósito da missão: evitar o segundo ataque de um terrorista em Chicago. O modo como isso vai ser feito é intrigante: com a ajuda de cálculos quânticos, Stevens será teletransportado até algumas horas no passado para a cena do primeiro ataque, um trem cheio de passageiros e com uma bomba alojada em um de seus compartimentos. O objetivo do capitão não é mudar o passado, mas apenas descobrir quem, entre os passageiros, é o terrorista.

Em outro plano, no presente, Stevens recebe a notícia de que, na verdade, morreu há cerca de dois meses, e que suas atividades cerebrais latentes estão sendo usadas pela polícia norte-americana para a realização desse projeto inovador de combate ao terrorismo. A cápsula em que se encontra e a ações que realiza seriam o resultado da leitura de computadores – uma espécie de conexão entre a morte e a vida – com o fim de dar cabo ao propósito da polícia.

E a partir da segunda metade de “Contra o Tempo”, o embate ético ganha mais força na trama, embora ainda seja abordado de modo superficial e didático, sempre colocado em segundo plano ao lado da história principal. Mesmo assim, é interessante observar as tentativas, mesmo que incipientes, de fomentar um debate sério sobre o assunto, principalmente entre os personagens de Gyllenhaal e Farmiga. A discussão não acontece, mas em tempos de pesquisas sobre células tronco, clonagem e manipulação genética, é impossível não deter o pensamento na possibilidade de super-exploração do último reduto que nos torna humanos: a morte.

Quando o filme chega ao fim – com um desfecho interessante, mas ainda muito aquém do que seria possível se a questão ética fosse mais bem tratada –, a sensação que fica é a de que aquele roteiro (escrito pelo pouco conhecido Bem Ripley) renderia uma obra prima na mão de outros diretores que já demonstraram certa identificação com a ficção científica e com as questões morais. Imagine, por exemplo, que Stanley Kubrick levasse para “Contra o Tempo” um pouco de “Laranja Mecânica”, com sua visão inquietante de uma sociedade com capacidade para reprimir quaisquer instintos violentos de seus indivíduos, ou de “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, obra máxima sobre a evolução humana confrontada com as potencialidades de uma inteligência artificial.

Duncan Jones, filho de David Bowie, mesmo tendo realizado o aclamado “Lunar”, de 2009, parece ainda não ter encontrado suas próprias estratégias para romper o equilíbrio tradicional dos modos de fazer cinema de ficção. Potencial para isso é fácil perceber que ele tem. O que falta agora é ousar um pouco mais – talvez seja hora de aprender com o pai camaleão – e investir na consolidação de um roteiro mais denso, que sustente de modo não didático e infantil a sua proposta de filme. “Contra o Tempo” não é um longa descartável: a história é bem construída e foge do previsível. Se Jones decidir colocar alguma sustância em sua próxima trama, alguma discussão que sustente suas ideias mirabolantes e retire a ficção do campo gélido dos supercomputadores e explosões interplanetárias, estaremos diante de um novo expoente desse cinema.

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Jáder Santana é crítico do CCR desde 2009 e estudante de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo. Experimentou duas outras graduações antes da atual até perceber que 2 + 2 pode ser igual a 5. Agora, prefere perder seu tempo com teorias inúteis sobre a chatice do cinema 3D.

Jader Santana
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