Em seu terceiro filme da franquia, Michael Bay explora a tecnologia 3D até o limite, bem como a paciência dos fãs de ficção científica, cinéfilos e seres humanos em geral.
Eu gosto do primeiro longa live-action da franquia “Transformers”, que encontra seu coração na história do menino e seu amigo alienígena, bem à moda Spielberg, algo que conseguiu equilibrar o fetiche militar de Michael Bay. Aparentemente, a chave desse “coração” estava com os roteiristas Bob Orci e Alex Kurtzman. Com a entrada de Ehren Kruger no segundo filme, o nível começou a cair, chegando ao fundo do poço neste “Transformers – O Lado Oculto da Lua”.
Não há como descrever a produção se não como uma verdadeira bagunça, que atira para todos os lados e acerta pouquíssimos alvos. Os Autobots agora estão trabalhando para o governo americano, quando descobrem que um de seus maiores líderes, Sentinel Prime, está preso na Lua desde a corrida espacial nos anos 1960.
Enquanto isso, Sam Witwicky está agora vivendo às custas de sua nova namorada, Carly (Rosie Huntington-Whiteley), pois mesmo tendo ajudado a salvar o mundo duas vezes, não consegue um emprego até a intervenção do chefe da moça, o bilionário boa-pinta Dylan (Patrick Dempsey). No entanto, os malignos Decepticons estão manipulando todos os eventos, trazendo à tona uma ameaça que pode acabar com o planeta.
Até que a história realmente comece a andar se passa quase uma hora de projeção, repleta de cenas “cômicas” sem propósito e subtramas ridículas, que só servem para encher linguiça. Exemplos disso são os Autobots atacando nações no Oriente Médio, papéis sendo tirados de orifícios indizíveis, piadas grosseiras, citações imbecis a “Jornada nas Estrelas” e a mãe de Sam fazendo uma brincadeira sobre o tamanho do pênis do garoto em meio a um ataque de Decepticons.
No cinema, você só mostra cenas que façam a história avançar e desenvolver seus personagens, o resto é gordura a ser cortada. Aparentemente, Michael Bay desconhece esse princípio. Se bem que exigir “princípios” de um diretor cuja ideia para introduzir uma nova personagem é fazer um plano com a bunda da garota em destaque e que insiste que estereótipos raciais são engraçados é pedir demais.
O próprio plot não faz sentido dentro da cronologia da série. Em “Transformers”, descobrimos que Megatron veio à Terra em busca da All Spark no final do século XIX, ficando congelado até os eventos daquela fita. Como diabos ele fez os acordos necessários para o seu plano, que começou em meados da Guerra Fria, é um mistério.
Outro grande problema é a descaracterização daquele que deveria ser o seu personagem principal, Optimus Prime. O líder dos Autobots é um soldado, não um bárbaro sanguinário que sai gritando “Matem todos eles!“. Optimus parece mais um personagem de um game em “modo deus”, sendo praticamente invencível. Como o roteirista não tem criatividade para lidar com uma figura assim, arruma alternativas equivocadas para fazê-lo desaparecer em momentos cruciais.
Interessante notar que é o vilão humano, Dylan, quem ganha o arco dramático mais aproveitável, com Patrick Dempsey fazendo o que pode para dar ao seu personagem alguma profundidade. Mostrado como uma versão sombria de Sam, ele foi arrastado também por conta de seus laços familiares à guerra entre Autobots e Decepticons, tentando fazer o que pode para sobreviver. O “ameaçador” Megatron fica 75% do reduzido tempo em que aparece em cena fazendo discursos vazios, é facilmente manipulado por outro personagem e sua última fala remete ao Capitão Gancho vivido por Dustin Hoffman em “Hook – A Volta do Capitão Gancho” de uma maneira bastante patética.
Sam deveria representar a transição da imaturidade para a idade adulta, mas ele está mais chato e reclamão do que nunca. Shia LaBeouf é um ator talentoso, mas nem Marlon Brando no seu auge conseguiria fazer com que o público se relacionasse com o protagonista do modo irritante como ele é mostrado na tela.
O relacionamento entre Sam e Carly jamais é explicado, matando a motivação para as ações do rapaz, ficando claro em alguns momentos que o papel foi reescrito às pressas por conta da demissão de Megan Fox da franquia. Fox, aliás, é uma Meryl Streep comparada com a modelo Rosie Huntington-Whiteley. A comissão do Framboesa de Ouro já deve estar em polvorosa com a performance da novata, principalmente nos momentos em que ela desfila em câmera lenta, fazendo caras impagáveis com explosões ao fundo.
Quanto ao resto do elenco… Josh Duhamel faz figuração de luxo, Tyrese Gibson aparece literalmente do nada como Epps e só faz correr e gritar ordens, a ótima Frances McDormmand me mata de vergonha como a prosaica “mulher-dragão” chefe da Inteligência, John Malkovich chega e sai sem fazer absolutamente nada de relevante, enquanto John Turturro e Alan Tudyk, atores de quem gosto muito, exibem alguma química e muita vergonha alheia. Sem falar de Ken Jeong, que ainda pensa estar em “Se Beber, Não Case!”.
Destaco ainda o veterano Leonard Nimoy, o eterno Sr. Spock, como a voz de Sentinel Prime, matando muitos fãs de “Jornada nas Estrelas” de raiva com uma citação inexplicável a “Jornada nas Estrelas II – A Ira de Khan”. A fita ainda tem uma ponta de Buzz Aldrin, um dos astronautas da missão original à Lua, que aparece para tentar dar alguma credibilidade ao roteiro, sem sucesso.
Michael Bay também desconhece algo chamado “ritmo”, mantendo o longa em um clímax perpétuo, que acaba por cansar os espectadores. Aguentar a projeção toda passa a ser um teste de resistência, dada a inabilidade de Bay de mostrar uma narrativa consistente. Depois de um prólogo excessivamente extenso, a produção engata e parece mais o coelhinho da Duracell, jamais parando para respirar, mostrando que os montadores estavam completamente perdidos. A última hora é uma gigantesca cena de ação que simplesmente não pára até os últimos trinta segundos da fita, quando esta simplesmente acaba.
No entanto, não posso dizer que o cineasta não sabe explodir coisas ou utilizar a tecnologia 3D. Ouso dizer que nem mesmo “Avatar” mostrou cenas de ação tão grandiosas utilizando o recurso de profundidade. O problema é que ou não conseguimos entender o que acontece na tela (em alguns momentos é impossível distinguir quem está brigando) ou simplesmente não nos ligamos para o que está ocorrendo. A cidade de Chicago é devastada e milhares de pessoas viram poeira, então deveria haver pelo menos alguma noção de choque, mas tais cenas simplesmente não se conectam com a audiência.
Tecnicamente irrepreensível, mas terrível como experiência cinematográfica, “Transformers – O Lado Oculto da Lua” conta com personagens demais, muitas subtramas, alívios cômicos toscos em excesso e um roteiro sem envolvimento emocional. É um ótimo comercial para os usos efetivos do 3D, nada mais que isso.
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Thiago Siqueira é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.