Adaptação de graphic novel coreana elogiada pela crítica é subaproveitada em filme morno que não empolga como deveria.
Depois que uma determinada saga resolveu estragar toda a magia que envolve os vampiros, construída no cinema principalmente por Murnau em 1922 (“Nosferatu”), Tom Browning em 1931 (“Drácula”), Tony Scott em 1983 (“Fome de Viver”) e Francis Ford Coppola em 1992 (“Drácula de Bram Stoker”), para citar apenas algumas colaborações, a temática voltou a ser recorrente nas telonas. É como se fosse sinônimo de bilheteria (e até pode ser), mas é preciso trazer um universo menos romântico e mais cruel de tais seres para alcançar o bom gosto do público exigente. Aproveitando o ensejo, foram buscar na Coreia uma série de mangás escritos por Min-Woo Hyung para levar “Padre” (Priest, no original) aos cinemas.
Na trama, um mundo alternativo pós apocalíptico ainda vive sob as regras da Igreja, que alega a extinção dos vampiros depois de uma grande guerra que durou séculos onde os Padres eram responsáveis pelo controle da raça em defesa da população. Aqui, os vampiros são criaturas gosmentas e sem olhos, bestas quase sem inteligência e loucas por sangue. Com a raça teoricamente dizimada, os Padres foram reintegrados à sociedade, ainda que o processo tenha os excluído de trabalhos elaborados e uma vivência sem desconfiança, já que seu escopo de brutalidade permaneceu no imaginário popular. Os vampiros, no entanto, se isolaram em colmeias durante anos para ter sua vingança, voltando muito mais fortes e evoluídos.
Quando Lucy (Lily Collins) é raptada por supostos vampiros, seu tio Padre (Paul Bettany) pede autorização da Igreja para retomar suas atividades de guerreiro, porém o clero não permite, alegando que os vampiros estão extintos. A única alternativa que resta é quebrar os votos e partir para uma caçada em que o exército de um homem só precisa dar um jeito na misteriosa bagunça anunciada. Ao lado de Hicks (Cam Gigandet), interesse romântico de Lucy, Padre parte para o meio do nada em busca de sua parente. É nessa jornada que ele não só constatará a existência dos vampiros, mas conhecerá uma nova representação da raça.
O roteiro do pouco experiente Cory Goodman acerta na ambientação da jornada, em uma espécie de deserto para cowboys em fúria, e pontua didaticamente os conflitos do protagonista. Junto com o diretor Scott Charles Stewart, também desconhecido na função, eles criam um filme rápido, como se houvesse pressa em desenvolver tantas outras subtramas. O que acontece é que a rapidez prejudica o ritmo, quase sempre tendo as suas ações encurtadas, sem causar o efeito necessário. Ainda assim, o público espera por um clímax avassalador, com a descoberta de tudo que está realmente acontecendo, mas quando surge, não empolga e confirma apenas a trama morna do longa.
A constatação disso é lamentável, já que “Padre” tem tudo para ser uma nova franquia competente nos cinemas. Vamos aos fatos. São 16 livros, com uma infinidade de abordagens do universo religioso e vampiresco, um prato cheio para o cinema. A equipe técnica de direção de arte, fotografia, trilha sonora, figurino e efeitos visuais não decepciona, fazendo deste longa uma deliciosa experiência visual. A frieza das imagens quase chega ao monocromático em que o amarelado do sol, por exemplo, é branco, dando o toque sombrio necessário à trama. Os vampiros gosmentos são mais reais do que monstros ou alienígenas vistos em grandes blockbusters do gênero, já que conseguem se misturar com o cenário com naturalidade.
Mais fatos. Paul Bettany é um grande ator incompreendido por sua filmografia, talvez por escolher personagens antipáticos que não mostrem tanto sua versatilidade. Ainda assim, o que Padre precisa, Bettany cede. A calma de sua voz, o olhar profundo e as habilidades físicas compõem o mistério do passado do protagonista, que dá vontade de saber mais sobre ele. Seu sidekick, o jovem Hicks (Cam Gigandet), se perde pela inexpressividade e pouca atenção do roteiro, já que não vemos fundamento para o romance com Lucy. A femme fatale da trama interpretada por Maggie Q é sexy na medida certa, mesmo escondendo as curvas debaixo das vestimentas. Todos os pontos citados colaboram para que a franquia salte aos olhos da crítica e do público, mas seu primeiro exemplar se perdeu na fraqueza do script.
O problema de “Padre” também está em seu vilão, interpretado por Karl Urban. Até sabermos o que ele realmente representa naquele universo, o diretor opta por não mostrar suas feições, gerando um mistério que ao ser resolvido não empolga (mais uma vez). O que mais irrita neste ponto é que a representação do personagem de Urban no universo vampiresco renderia uma abordagem mais interessante e menos canastrona. Mas o clímax faz o favor de atrapalhar o futuro que o personagem poderia ter no longa, o transformando em um qualquer.
Lançado em 2D e 3D no Brasil, não há tanta diferença entre os dois formatos. Ainda que falte empolgação, “Padre” renova os valores dos vampiros, mesmo não saindo da zona de conforto exigida pelo público. Os lamentáveis despreparos do texto e da direção podem ser apontados como os responsáveis pelo desaproveitamento de uma história promissora, mas, como anunciado ao fim da projeção, se houver uma sequência, vamos torcer para que os realizadores aproveitem melhor o universo maravilhoso criado por Min-Woo Hyung.
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Diego Benevides é editor geral, crítico e colunista do CCR. Jornalista graduado pela Universidade de Fortaleza (Unifor), atualmente é pós-graduando em Assessoria de Comunicação e estudioso em Cinema e Audiovisual. Desde 2006 integra a equipe do portal, onde aprendeu a gostar de tudo um pouco. A desgostar também.