Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 09 de abril de 2011

Rio (2011): qualidade técnica superior a muitas animações do mundo

Com um visual arrebatador, a animação é uma homenagem à bela cidade brasileira.

O cineasta Carlos Saldanha acaba de realizar um conto de fadas situado em sua terra natal. Estão lá o mocinho e a mocinha, que inevitavelmente se apaixonarão, mesmo diante das malvadezas aprontadas pelo vilão. O padrão clássico, porém, vem recheado de elementos vibrantes como só a cultura carioca consegue acrescentar. O samba, a praia, os cartões-postais da cidade e o seu povo acolhedor incrementam a previsibilidade de cada cena da animação, fazendo dela um prazer de se acompanhar. O visual arrebatador também contribui para fazer do filme uma bela homenagem a mais bonita cidade brasileira, apesar de sua história ser demasiadamente simplista.

Quem protagoniza a trama é Blu, uma arara azul, que já conhece as agruras da vida na floresta do Rio de Janeiro ainda filhote. Capturado por contrabandistas,  ao lado de vários outros pássaros, ele é levado para um distante e gelado país, aonde é acidentalmente resgatado por uma tímida garota chamada Linda. Os dois crescem juntos e desenvolvem uma relação de intenso amor, que reverbera em conquistas de prêmios mundo afora. Até que a fama de Blu leva o biólogo carioca Túlio ao encontro da inseparável dupla.

A intenção: convencer Linda a levar seu animal de estimação de volta ao Rio com o objetivo  de salvar a espécie da total extinção. Os dois, então, partem, e encontram um mundo absolutamente diferente. Lá, (mais especificamente em uma gaiola) vive Jade, a pretendente de Blu, alguém bem diferente dele. Se ele é domesticado (incapaz até de voar), ela necessita estar em total liberdade. O início das paqueras (especialmente por parte da arara macho), no entanto, logo é interrompido por um grupo de sequestradores, que fazem as aves embarcarem em uma empolgante aventura que vai de favelas até Copacabana.

“Rio” passa ainda pelo Pão de Açúcar e Corcovado (com direito a vôo de asa delta estranhamente abençoado pelo Cristo),  fazendo questão de escolher uma época do ano bem propícia para retratar sua história: o Carnaval. Dessa forma, o roteiro de Don Rhymer  consegue explorar todos as atrações turísticas da metrópole, trazendo um tom propagandístico que, se não chega a incomodar, causa um estranhamento por sua visão até certo ponto idealizada do Rio, onde a violência é representada apenas por espertos micos e a pobreza por um garoto abandonado que não troca a camisa 10 da seleção canarinho por nada.

Em suma, o filme deixa de lado problematizações para exibir um mundo fantástico, lindo de se ver e ouvir. Em que outro lugar as aves acordam ao som de uma batucada? Que outro lugar possui tanta beleza natural unida a altos prédios e vias urbanizadas? Nenhum. Pelo menos no universo da animação, nenhuma cidade foi retratada com tanta intensidade como neste longa. A direção de Carlos Saldanha é preciosa, bem distinta dos trabalhos realizados nos dois últimos filmes da franquia “A Era do Gelo”. O ritmo nunca cai, graças à excelentes e  inúmeras sequências de ações que jamais cansam.

E o que dizer dos musicais? De uma sensibilidade e vibração que não fazem feio diante do que a Disney já nos proporcionou. As cenas são também características do universo fabulesco que tanto ajudam e também atrapalham “Rio”. Diante de uma trama que não se pretende original, o filme sabe como remontar caricaturas e contar uma boa história de amor. Blu pode até não ser o mais marcante dos protagonistas, mas consegue passar carisma suficiente para divertir o público, especialmente quando acometido por uma “paixonite aguda” pela esperta Jade, ou mesmo quando divide a tela com sua dona, numa convincente afetividade completamente correspondida.

No entanto, faltam elementos cômicos ao roteiro. Apesar de inúmeros bichos-coadjuvantes, indo de tucanos a bulldogs, nenhum deles se destaca na clássica função de fazer os espectadores gargalharem. Don Rhymer também exagera no retrato do biólogo Túlio, demasiadamente imbecilizado, o que torna inconvincente a intenção de romance que envolve o personagem. Além disso, a narrativa traz um alto nível de previsibilidade, com os três atos claramente definidos, ficando fácil saber os momentos da intervenção do vilão ou dos inevitáveis beijos, mesmo que a direção de Saldanha ainda traga um brilho extra.

A trilha sonora de John Powell ajuda consideravelmente no ritmo frenético da animação. Apropriando-se da música brasileira, especialmente do samba e da bossa nova, o compositor inclui mais um belo trabalho no currículo, cujo ápice foi atingido em “Como Treinar seu Dragão”. Tecnicamente, o filme surpreende, especialmente pelo retrato perfeito do Rio de Janeiro, exibindo-o nos mínimos detalhes, devendo fazer dos cariocas aos estrangeiros suspirarem.

Carlos Saldanha, enfim, exibe para o mundo sua versão da cidade maravilhosa, que aqui faz jus ao apelido. Com bonita mensagem ecológica, mas que poderia ser menos didática,o diretor mostra que até no Rio pode se viver um conto de fadas, mesmo que super idealizado. A futura sede olímpica e palco da final da Copa do Mundo recebe uma justa homenagem, que poderia ser narrativamente melhor, mas que é tecnicamente estupenda.

___
Darlano Dídimo
é crítico cinema do CCR desde 2009. Graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é adorador da arte cinematográfica desde a infância, não a substituindo por nenhum outro entretenimento, por maior que ele possa ser.

Darlano Didimo
@rapadura

Compartilhe