A diversidade e fraqueza das temáticas abordadas desperdiçam a parte técnica positiva desta animação belga.
O cinema de animação cada dia fica mais adulto. Por mais que as crianças simpatizem com o design e a beleza dos personagens, além de seus comportamentos e vozes infantilizadas, os estúdios precisam fazer os pais, que acompanham os filhos no cinema, se divertirem. Afinal, eles também pagam ingresso e justificam as bilheterias quase sempre pomposas das animações americanas. Então o gênero animado não tem mais o estigma de infantil, tendo gerado ótimos exemplares “para adultos” como “Valsa Com Bashir” e “Persepolis”.
Apesar disso, a maioria das animações atuais segue as características básicas para conquistar o público infantil (aquela historinha com uma mensagem positiva, geralmente sobre amigos ou meio ambiente), mas tenta balancear com piadas ou até mesmo sensações que só os adultos podem ter. Foi assim com os recentes “Megamente”, “Toy Story 3”, “Meu Malvado Favorito” e, mais fortemente, o excepcional “Como Treinar o Seu Dragão”. Vindos de grandes estúdios que sabem o que fazer, agradar a todos os públicos é fácil.
Em “As Aventuras de Sammy” temos um retrocesso ao que é exclusivamente infantil. A priori, isso aparece como uma estratégia maravilhosa, ressaltando a visão conservadora de que precisamos fazer as crianças se apaixonarem por cinema com filmes feito para elas, e não somente preocupados com o mainstream e as premiações. Entretanto, no decorrer do longa, o que poderia vir como um excelente exemplar de uma animação para os pequeninos se mostra perdido o suficiente dentro de sua própria proposta.
O roteiro assinado por Dominic Paris traz como centro da projeção a tartaruga Sammy, que já sai do ovo vivendo grandes aventuras. Em seguida, ela conhece o solitário Ray, que se torna de imediato o seu melhor amigo. Daí a trama tenta abordar tantas temáticas que não se fixa em nenhuma delas, mostrando-se vazia o suficiente para desagradar até mesmo as crianças. As lições ambientais estão ali, bem como a fidelidade aos amigos, as adversidades da vida, a paixão desencontrada, o problema da confiança, os caçadores malvados e, finalmente, o desejo de viver grandes aventuras.
O diretor Ben Stassen até tenta esconder os problemas do roteiro, criando uma falsa homogeneidade na trama, mas não consegue. A culpa nem é dele, já que o cineasta consegue criar belas sequências no fundo do mar e tem grande noção de como transformar o melhor a trama em imagens. Entretanto, Stassen é prejudicado pela constante necessidade dos fades e a edição seca que divide as várias subtramas sem dar nenhuma solidez ao filme.
O design de produção é mediano, transitando em ótimos efeitos visuais junto com a fotografia (geralmente nas sequências mais sombrias), mas ainda assim não temos um fundo do mar tão perfeito ao estilo “Procurando Nemo”. A tecnologia 3D aparece aqui de uma forma incômoda, muitas vezes causando sensações estranhas e pouco compreensíveis, se saindo melhor ao criar apenas perspectiva nas sequências.
Um destaque positivo de “As Aventuras de Sammy” está em sua trilha sonora, apesar da acidental ser clichê. Por outro lado, as canções do mundo pop escolhidas para ilustrar diversos momentos chave da película se revelam acertadas, incluindo hits como California Dreamin’, Ain’t No Sunshine e Love Today. Ainda assim, a trilha por si só não salva o produto final.
Na metade da projeção, enquanto eu contava os minutos para o fim, uma criança ao meu lado perguntou ao pai se o filme não iria acabar. Quando nem mesmo os pequenos se interessam pela tartaruguinha fofa e aventureira, aí sim temos um grande problema.
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Diego Benevides é editor geral, crítico e colunista do CCR. Jornalista graduado pela Universidade de Fortaleza (Unifor), atualmente é pós-graduando em Assessoria de Comunicação e estudioso em Cinema e Audiovisual. Desde 2006 integra a equipe do portal, onde aprendeu a gostar de tudo um pouco. A desgostar também.