Entre erros e acertos, o maior mérito do filme é tentar romper o tabu que existe na abordagem da sexualidade.
Ingrid Guimarães assumiu um papel de peso: sua primeira protagonista no cinema é uma mulher de, no mínino, três fases. A atriz precisou representar a empresária bem sucedida e workaholic por natureza, a mulher desempregada e cheia de complexos, e a figura feminista da modernidade, que levanta a bandeira da liberação sexual enquanto administra seu Sex Shop. Não é exagero dizer que Guimarães cumpriu com êxito suas atribuições e tornou-se o que há de melhor em “De Pernas pro Ar”.
O novo trabalho do cineasta carioca Roberto Santucci se distancia do gênero dramático de seus últimos filmes – opção arriscada, já que “Alucinados” e “Bellini e a Esfinge” receberam boas críticas e prêmios de grande peso – e assume as características usuais da comédia besteirol americana. Como um filme feito para rir, “De Pernas pro Ar” é competente e divertido, embora sua eficiência termine na primeira cena dramática. Além de quebrar o ritmo de um roteiro recheado de tiradas cômicas, os momentos de drama não são bem aproveitados pelos personagens, que já ganharam feições de humor irreparáveis.
A protagonista é executiva do setor de marketing em uma grande empresa de brinquedos. No encalço de uma promoção iminente, deixando de lado marido e filho, Alice comete uma gafe no dia de uma reunião definitiva para sua carreira e é demitida. Sem emprego, sem marido e hostilizada por uma vizinha de trajes mínimos, a personagem descobre a oportunidade ideal para alavancar sua carreira. Em parceria com Marcela (Maria Paula), dona de um Sex Shop decadente, Alice elabora um plano de vendas online para produtos eróticos. O que começou como uma loja de bairro ganha ares de grande corporação e a protagonista se vê inserida na mesma rotina de trabalho que comprometeu seu casamento.
Uma ex-executiva de vida sexual abalada pela falta de tempo e uma loja inteira de produtos eróticos dos mais diversos tipos, tamanhos e formatos são a combinação exata para uma infinidade de tiradas caricatas bem representadas por Guimarães. Mesmo em situações constrangedoras e excessivamente forçadas para fazer rir, a atriz consegue amenizar o clima artificial da piada e se sobressair entre as falhas.
Maria Paula, Bruno Garcia e o elenco de coadjuvantes também cumprem seus papéis de modo convincente, embora não consigam escapar ilesos dos momentos críticos da narrativa. Não parece justo tratar Guimarães como uma atriz de capacidade interpretativa superior aos demais atores. Seu êxito em “De Pernas pro Ar” talvez seja explicado pela empatia instantânea que é criada entre sua personagem e o público, o que não acontece com os demais tipos. Mais do que isso, é inegável o carisma da atriz em qualquer de seus personagens.
Não existem novidades para se falar sobre os quesitos técnicos. Fotografia, direção de arte e trilha sonora não são fatores determinantes para a direção de Santucci e o roteiro de Marcelo Saback e Paulo Cursino. A plasticidade da iluminação, os recursos de câmera lenta e plano detalhe do rosto dos personagens, aliados à música burlesca, fazem “De Pernas pro Ar” parecer o projeto ampliado de algum programa piloto exibido nos finais de ano na Rede Globo de Televisão.
Também parece retirada de uma minissérie global o tratamento cômico dado à temática feminista que permeia a trama. Longe de ser um fator negativo para o roteiro, a comicidade conduz toda a mensagem de libertação sexual, respeito às diferenças e quebra de tabus. Temas delicados soam de modo natural com o auxílio do bom humor da narrativa e certamente a parcela conservadora de público terá uma boa oportunidade para repensar seus valores. A busca pelo prazer feminino é o mote que guia todas as outras questões e, apesar do humor presente no filme, em nenhum momento o assunto é abordado de maneira inconsequente ou desrespeitosa.
Nosso país não está diante da nova obra-prima do humor nacional, e é evidente que esse não era o objetivo de Santucci. “De Pernas pro Ar” é um filme pequeno, imperceptível ao lado da enxurrada de lançamentos que recebemos todas as semanas dos grandes estúdios. O carisma de sua protagonista e o tratamento despretensioso dado aos assuntos mais delicados são êxitos que valem o ingresso.