O longa vai além da criação do Facebook, sendo também sobre as relações cada vez mais vazias que começaram a ser criadas a partir da internet e das suas redes sociais.
Filmes sobre gênios que acabam despontando em suas faculdades e criam grandes empreendimentos sempre os apresentam como pessoas deslocadas e que vivem escondidas pela própria genialidade. Este é o caso de Mark Zuckerberg, o criador do Facebook, que é o tema do filme “A Rede Social” do diretor David Fincher com roteiro assinado por Aaron Sorkin (baseado no livro “The Accidental Billionaires”, de Ben Mezrich). Acertadamente, Fincher abre a sua narrativa com um diálogo espetacular entre Mark e a sua namorada Erica Albright. Nesta cena, o diretor e o roteirista do filme deixam claro como é a personalidade de Mark e como a maneira péssima que esta conversa termina acaba sendo o ponto de partida para a sua criação do Facebook e para a sua popularidade dentro da Universidade de Harvard.
Para os calouros que entram em universidades americanas o que eles mais querem é também entrar nas chamadas fraternidades, nos grupos secretos que outros estudantes famosos e competentes também fizeram parte. Mark queria ser um desses caras. No anexo em que ele morava com outros colegas, incluindo o seu melhor amigo Eduardo Saverin, todos queriam ser aceitos para fazerem parte das festas privativas e viverem de forma popular. Porém, o término do namoro entre Mark e Erica é o seu momento de fraqueza e a partir dali ele cria, completamente bêbado, um site chamado FaceMash em que os estudantes de Harvard votam nas mulheres mais bonitas. Apenas durante uma madrugada em que ficou no ar, o site teve um total de 22 mil acessos e derrubou a rede de internet de uma das maiores universidades dos Estados Unidos e do mundo.
Mark achou que, com isso, atrairia popularidade e seria reconhecido pela invenção que teve. Mas ao perceber que os estudantes não reagiram muito bem à sua criação, Mark passa a ser mal visto dentro dos corredores da universidade. É assim que eles aceitam a ideia dos irmãos Winklevoss, que pretendiam realizar um site cujos estudantes de Harvard poderiam se registrar e criar perfis próprios. Mark viu um potencial muito maior para a ideia dos irmãos e fez com que ela não ficasse apenas no campus da universidade em que eles estudavam, mas fosse expandido para outras regiões. É aí que entra a importância do brasileiro Eduardo Saverin, responsável por injetar o primeiro capital que dava aluguel de servidores e estabilidade de conexão para os visitantes que começaram a se cadastrar no site.
O livro escrito por Ben Mezrich, a partir do que foi relatado pelo próprio Eduardo Saverin, ilustra e entra na questão se Mark Zuckerberg havia roubado a ideia dos irmãos Winklevoss e questiona a originalidade do Facebook. Mark era um gênio e disso ninguém duvida, mas o próprio roteiro de Aaron Sorkin tenta se manter imparcial neste sentido, não o julgando como vilão, mas o apresentando como um jovem que se tornou bilionário a partir da criação de um site que vem crescendo ano após ano e expandindo as suas atividades para outros países. O roteiro de Aaron Sorkin, que atinge a mesma inteligência de quando ele escrevia as premiadas e excepcionais séries “The West Wing” e “Studio 60 on the Sunset Strip”, constrói o filme entre o julgamento de Mark Zuckerberg em ações que são movidas por Eduardo Saverin e pelos irmãos Winklevoss, além de percorrer os momentos mais importantes e tensos da criação até o sucesso.
A tensão realmente começa quando Eduardo passa a procurar por anunciantes para o site com o objetivo de torná-lo também uma máquina de dinheiro e lucro. Mark, no entanto, entra com uma nova ideia ao marcar uma reunião com Sean Parker, o criador do Napster e também o responsável por ter mudado a indústria fonográfica para sempre. É bem verdade que o programa desenvolvido por ele durante pouco tempo e que ele logo declarou falência, mas a relevância que o Napster teve se deu por ele ser o principal responsável pelo fechamento de algumas gravadoras e o agravamento da crise sentida por outras, já que os usuários não queriam mais comprar CDs porque encontra estas músicas em mesma qualidade por meio do Napster. Eduardo Saverin e Sean Parker não se dão bem e isso acaba sendo um dos fatores para que a amizade entre Mark e Eduardo fique estremecida e completamente abalada.
“A Rede Social” é um filme sobre a criação do Facebook, mas vai muito além disso. A história acaba sendo também sobre as relações cada vez mais vazias que começaram a ser criadas a partir da internet e das suas redes sociais. Em um determinado momento do filme, Sorkin apresenta a expressão “me adicione no facebook” como um bordão que havia se tornado sucesso entre os estudantes de Harvard e de outras universidades. A própria namorada de Eduardo Saverin se comporta de uma maneira completamente psicótica quando ele muda o “status do seu relacionamento” para solteiro no Facebook. As pessoas passaram a dar mais importância a conhecer outras pessoas e a se conectarem a elas, não mais pelo convívio pessoal, mas sim em estarem ligadas na internet. Dentro do Facebook, ou do Orkut, você pode ter 300, 400, 500 amigos. Mas quantos deles são realmente próximos a você? Quantos deles você realmente pode chamar de amigo?
Por esta razão é emocionante a cena em que Eduardo Saverin, já movendo uma ação contra Mark Zuckerberg quando o brasileiro vê as suas ações sendo diluídas de 33% para 0.03%, pergunta a Mark por que ele havia feito aquilo com o único amigo que ele tinha. Eles eram amigos, por mais que Eduardo não conseguisse chamar a sua atenção e que Mark estivesse concentrado nos planos de expansão de Sean Parker. E a mesma emoção sentida nesta cena pode também ser sentida em outro momento, quando uma das advogadas de defesa diz a Mark que ele não é um babaca como as pessoas comentam ou falam, mas que ele vive se esforçando para se tornar um e deixar esta impressão nos outros. É por isso que “A Rede Social” vai muito além do que apenas relatar a trajetória destes jovens que, com uma criação deste tamanho, conseguem se ver envoltas em muito dinheiro e se tornarem bilionárias de uma hora para a outra.
Ao ver “A Rede Social”, acabei me recordando de quando assisti “A Fraternidade É Vermelha” (1994), que faz parte da famosa e belíssima Trilogia das Cores do diretor polonês Krzystof Kieslowski, quando ele cria uma história na qual as pessoas sentem problemas em se relacionar com o outro por viverem sempre distantes uma das outras. Kieslowski relata isso a partir dos fios do telefone que abre o filme, quando Valentine tenta conversar com o seu namorado que mora na Inglaterra. A personagem vivida pela atriz Iréne Jacob também vive distante da sua mãe, com quem conversa de maneira rápida pelo telefone, e consegue saber notícias do seu irmão apenas lendo os jornais. O mais próximo de um relacionamento verdadeira que ela consegue ter é quando ela conhecer o Juiz, um aposentado que vive os seus últimos dias ouvindo as conversas telefônicas dos seus vizinhos.
O que eu quero dizer é que Mark Zuckerberg, assim como Valentine, vivia pela distância e pela falta de não conseguir se relacionar com outras pessoas. Neste sentido, a atuação de Jesse Eisenberg é excepcional, porque ele mantém a sua personagem com um olhar sempre perdido e também preso em suas próprias limitações de não conseguir socializar com outras pessoas. Quando o seu relacionamento com Erica termina, a pessoa mais próxima que ele conseguiu se relacionar verdadeiramente, parece que a sua vida perdeu sentido e ele parte em busca de encontrar um novo significado e acaba achando isso na criação do Facebook.
É por isto que a cena que encerra a narrativa de “A Rede Social” é tão emblemática e impressionante, fechando um arco dramático que foi conduzido com a inteligência do roteiro de Aaron Sorkin e a agilidade e competência da direção de David Fincher. O longa não condena Mark. Pelo contrário: o filme faz com o seu espectador até sinta compaixão pela personagem pelo carisma que Jesse Eisenberg transmite.