Produzido por M. Night Shyamalan, o filme não chega a ser um desastre do nível dos últimos trabalhos do cineasta indiano como diretor, mas passa perto.
Durante a Comic-Con de 2010, um vídeo de “Demônio” foi exibido para o público, que simplesmente caiu na gargalhada ao ler o letreiro que anunciava o filme como um produto “Da mente de M. Night Shyamalan“. O fato é que o cineasta indiano perdeu tanto o prestígio que havia conquistado com longas como “O Sexto Sentido” e “Corpo Fechado” que se tornou motivo de piada.
Faz sentido, então, sua iniciativa de se voltar para projetos menores como este “Demônio”, no qual só assina o argumento e a produção, ficando o roteiro sob responsabilidade de Brian Nelson (dos eficientes “30 Dias de Noite” e “MeninaMá.Com”) e a direção nas mãos do desconhecido John Erick Dowdle.
No entanto, a fita está longe de lembrar os tempos áureos de Shyamalan, a começar por um equivocado senso de presunção (ou arrogância mesmo) por parte de seu produtor, que a anuncia de maneira categórica como a primeira parte de uma série chamada “The Night Chronicles” (“As Crônicas da Noite”, em bom português).
A película mostra cinco estranhos presos no elevador de um prédio comercial. O que era apenas um inconveniente se torna um pesadelo quando se descobre que há um assassino entre eles. O detetive Bowden (Chris Messina), que já estava no local investigando um suicídio, é destacado para tentar descobrir o que está havendo no elevador. Ocorre que pode haver uma força sinistra orquestrando os eventos em questão.
Logo em seu pôster, o filme já tira qualquer possibilidade de não haver toque sobrenatural envolvido em sua trama, algo ressaltado pela narração em off do longa, que fica falando de maneira interminável sobre uma história folclórica envolvendo o diabo. Tal história, aliás, é repetida por um dos personagens dentro da narrativa, tornando inútil e redundante a utilização de tal recurso.
Como o público já sabe de antemão do envolvimento do demônio nos eventos em questão, as explicações lógicas encontradas pelo Detetive Bowden para os acontecimentos que se desenvolvem ficam parecendo mais um apego ao ceticismo do que uma tentativa de investigação, jogando para escanteio qualquer possibilidade de ambiguidade entre religião/razão que o longa poderia ter, enfraquecendo a história.
Outro ponto negativo na fita é que não há como o público se envolver no mistério de quem é o assassino pela simples falta de pistas, com toda a narrativa sendo levada por viradas de roteiro que, em sua maioria, são mal preparadas e inseridas de maneira absolutamente inorgânicas, vide o excesso de vezes em que os problemas pessoais do detetive Bowden são citados. Deste modo, as revelações que acontecem no decorrer da projeção jamais ocorrem de maneira “natural”, simplesmente surgindo e pronto.
Uma das mais infelizes marcas de Shyamalan nos últimos anos tem sido a presença de diálogos absurdos em seus trabalhos. Mesmo com o roteiro não sendo dele, “Demônio” possui um daqueles momentos nos moldes “estou conversando com uma planta de plástico” (“Fim dos Tempos”). Aqui, um supersticioso segurança do prédio diz que, quando o diabo aparece, tudo começa a dar errado, basicamente afirmando que não existe azar, só a influência do chifrudo. Para provar o seu ponto, ele usa como prova um pão com geleia. Isso mesmo, um PÃO COM GELEIA.
O diretor John Erick Dowdle emprega no filme um ritmo bem mais ágil que o de Shyamalan, beneficiando assim a película. Dowdle se utiliza de cortes rápidos nas cenas dentro do elevador para ressaltar a tensão e a paranoia dos cinco cativos, sendo a interação entre tais personagens a melhor coisa do filme.
Mas em nenhum momento a fita passa a sensação de claustrofobia e urgência que uma situação daquelas deveria ter junto ao público. O cineasta ainda realiza uma das sequências de abertura mais absurdas e esteticamente despropositadas que já vi em uma fita, com quase dois minutos de filmagens de cabeça para baixo.
Os atores simplesmente não possuem material para desenvolver seus personagens e se conformam em apenas interpretar caricaturas. Neste sentido, Geoffrey Arend, que faz o Vendedor, se destaca, conseguindo viver uma das figuras menos carismáticas e mais irritantes que tive o desprazer de ver no cinema este ano.
É incrível que, com todos esses defeitos, “Demônio” seja a melhor coisa com que Shyamalan tenha se envolvido nos últimos anos. E chega a ser triste que ele nem tenha chegado perto de dizer um “ação” neste projeto.