Solidão e desespero em tempos de guerra. A inocência desvanece, mas ela pode ser a única salvação neste atípico e eficiente penúltimo episódio da saga do jovem bruxo.
Em meio a uma guerra que está devastando seu mundo, um jovem se agarra a seu rádio buscando notícias de sua família, ou ao menos encontrando conforto em saber que não existem más novas. Esta cena, que poderia se encaixar em qualquer filme sobre a Segunda Guerra Mundial, marca o tom deste sétimo capítulo da saga do outrora “menino que sobreviveu”.
“Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 1” é o capítulo do meio de uma trilogia que encerra os oito filmes que irão compor a história de seu herói-título. Enquanto nos dois primeiros episódios Harry (Daniel Radcliffe) e seus amigos viviam grandes aventuras na escola de bruxaria de Hogwarts, sempre protegidos por seus mestres e pelo próprio castelo, a partir do terceiro filme uma escuridão cresceu junto dos personagens principais.
Tal sombra, representada pelo vilão Voldemort (Ralph Fiennes), ficou ainda mais forte com a morte de seu opositor Alvo Dumbledore (Michael Gambon), ex-diretor de Hogwarts e mais uma figura paterna que Potter perdeu para as forças das trevas. Harry agora tem de assumir o papel daquele que fora eleito para destruir as forças do mal. Ele e seus companheiros, Rony (Rupert Grint) e Hermione (Emma Watson), não mais contam com a proteção de seus amigos ou da segurança provida pelo mundo da magia, agora corrompido pelos capangas de Voldemort.
Os três agora se vêem à própria sorte em um mundo hostil, sem cores ou alegria, tendo como missão destruir as sete horcruxes, repositórios de pedaços da alma de Voldemort para, assim, expurgar a força sombria. Reconhecendo que a película é mais focada para uma audiência já iniciada, o diretor David Yates investe pesado no emocional de seu trio de protagonistas, dando à fita, de maneira corajosa, um tempo na pirotecnia para se aprofundar nos relacionamentos e na tensão psicológica que os três passam naqueles que seriam os seus piores momentos, tornando até mesmo dolorosas as memórias de dias felizes e velhos amigos.
Raiva, angústia, medo, ciúmes e solidão se misturam de maneira explosiva ao fervor da adolescência. Sim, temos cenas de ação e perseguições, mas até estas são bem mais pesadas, incluindo elementos como tortura (até de um dos personagens principais) e mortes inevitavelmente dolorosas. Yates sabe o quanto Harry cresceu desde que era o garoto no armário da escada, fazendo com que ele e seus amigos passem por um verdadeiro inferno rumo à maturidade.
O cineasta compreende que a audiência ficou mais madura no decorrer desta jornada, portanto não usa luvas de pelica. A linguagem visual e narrativa é a mais sofisticada dos longas da franquia, com um clima de urgência e tensão quase ininterrupto durante os 146 minutos da fita. Câmeras de mão são frequentemente utilizadas para ressaltar o estado emocional dos personagens, bem como planos longos e contemplativos. A inserção de uma animação que mostra a história das relíquias da morte, um dos pivôs da trama, também era algo arriscado e que poderia destoar do clima do filme, mas funciona muito bem.
A direção de fotografia do português Eduardo Serra está lá para ressaltar o quão frio e morto aquele mundo se tornou, em nada lembrando o clima alegre e acolhedor de Hogwarts. A trilha sonora de Alexandre Desplat completa o clima heróico, sombrio e melancólico da película, abrindo passagem por um breve momento para uma música de Nick Cave, uma dança antes do pesar. A ironia é que a dança ocorre ao som de uma música, “O Children”, que fala sobre crianças lutando contra forças impossíveis.
Não foram apenas os personagens que cresceram, mas seus atores. A despeito do elenco “veterano” estar ótimo, com destaque para o ameaçador Voldemort de Ralph Fiennes, o filme é do seu trio principal. Daniel Radcliffe carrega o peso do mundo em suas costas na sua interpretação como Harry, última esperança de um povo que parece irremediavelmente alquebrado. A audiência sente em Harry tal peso através cada movimento e momentos de dúvida do personagem, assim como na saudade de amigos perdidos e tempos mais simples.
O que permite Potter ainda prosseguir na missão, a despeito de adversidades imensas e um pesar maior ainda, é uma vã esperança e a presença de seus amigos. O desespero de Rony e o seu apego aos amigos e à família fazem com que Rupert Grint mostre sua evolução como ator e seu desespero em dado momento jamais soa falso, tocando a audiência e tornando seu momento de bravura ainda mais poderoso.
Mas a força do trio vem de Hermione. Rony coloca isso muito bem ao falar para Harry que eles não durariam muito tempo sem ela. Emma Watson, centro emocional do filme, retrata bem quão devastada a “melhor aluna da sala” está, presa em um momento histórico que lhe obriga a apagar da memória de seus pais sua própria existência para salvar-lhes a vida. Hermione se vê dividida entre o que sabe ser certo e os próprios sentimentos e as lágrimas que Emma Watson derrama denotam o potencial da jovem atriz.
No final, a despeito de toda essa desesperança, a inocência surge como uma luz no fim do túnel, embora tenha um alto preço a ser pago para se viver e lutar mais um dia. “Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 1” prepara muito bem o tabuleiro do jogo para um clímax inesquecível. Esperamos que o derradeiro ato desta celebrada franquia mantenha esta curva ascendente.