Ayrton Senna da Silva. Com um sobrenome tipicamente brasileiro, este piloto de Formula 1 trouxe alegria e orgulho para os domingos dos brasileiros em uma época em que o país, após um período de ditadura militar, estava mergulhado em um caos social. Perfeccionista, carismático e jovem, Senna era um ídolo para milhões, vindo a falecer de maneira trágica em 1994, enquanto liderava o GP de San Marino. A trajetória deste atleta, repleta de obstáculos e percalços, é cinematográfica por natureza. Por várias vezes, produtores tentaram levá-la para as telas. Mas nenhum retrato romanceado teria um décimo da força do documentário “Senna”.

Dirigido pelo inglês Asif Kapadia e realizado com apoio da própria FIA e do Instituto Ayrton Senna, o longa se utiliza de imagens de registro para nos levar para o mundo da velocidade e, por meio de depoimentos em off do próprio Ayrton Senna, bem como de familiares, companheiros do circo da F1 e de comentaristas esportivos, tentarmos entender o que movia aquele que, por algum tempo, foi o homem mais rápido do mundo.

Interessante notar como a carreira de Senna na F1 parece algo saído de um roteiro ficcional. Começando em uma obscura escuderia, o brasileiro obra um verdadeiro milagre no circuito de Mônaco, chegando em segundo lugar, encostando no então campeão Alain Prost, apenas não levando aquela corrida por esta ter sido encerrada abruptamente.

A partir daí, temos a evolução da rivalidade entre Senna e Prost, que atinge seu ápice quando os dois se tornam companheiros na McLaren, gerando um clima de guerra civil dentro da escuderia. Intrigas internas, politicagem, decisões mal-tomadas e figuras escusas como o então presidente da FIA, o francês Jean-Marie Balestre (compatriota de Prost), criam um clima de tensão ímpar em cada GP, algo que o filme transmite de maneira exemplar.

Momentos históricos da carreira de Senna, como o GP do Brasil de 1991, no qual o piloto venceu com a caixa de câmbio emperrada na sexta marcha, ganham contornos épicos graças à maestria com que são mostrados em cena, com destaque para a exaustão do biografado após a corrida, sentindo dores lancinantes em seus ombros.

Interessante notar que o documentário não se escusa em tocar em temas polêmicos dentro da própria Fórmula 1, como a questão do favorecimento de Prost por parte de Balestre, o desequilíbrio provocado pelo uso de equipamentos eletrônicos por parte de algumas escuderias e o próprio jogo de interesses que move o esporte, explorando a rivalidade entre Senna e Prost para atrair audiência para a categoria.

A primeira metade do documentário é soberba, pois a montagem praticamente coloca o próprio Senna narrando o que estamos vendo em tela, quase como ele estivesse conosco assistindo àqueles vídeos, nos mostrando cada detalhe, com leves intervenções de terceiros (que jamais chegam a surgir na tela), deixando ainda espaço que o público o que está vendo.

O filme ainda nos mostra um pouco da vida pessoal de Senna, mas a impressão que fica (que não é muito longe da real) é que, para ele, aquilo era secundário. A despeito de amar sua família e de apreciar a companhia de belas mulheres, o foco do piloto era em ser o melhor, e ele não iria descansar antes de atingir uma meta inalcançável de perfeição. Todo objetivo alcançado era imediatamente substituído por outro, caçado com ainda mais afinco. A vitória era uma droga e Senna não conseguia – e nem queria – se livrar de tal vício.

Quando a fita começa a chegar perto do dia primeiro de maio de 1994, data da trágica morte do esportista, o ritmo da película começa a ficar mais e mais pesado. Mostrando quão complicada era a situação de Senna e de sua então escuderia, a Williams, era naquele momento, compreendemos o desejo de superar tal obstáculo e a importância do GP de San Marino para ele.

No entanto, vieram os acidentes envolvendo companheiros naquele grande prêmio e um fúnebre prenúncio do que estava por vir. O acidente de Senna é mostrado através de uma câmera dentro do carro do piloto, em angustiantes momentos nos quais a produção nos coloca ao lado do piloto.

Tecnicamente perfeita e emocionante até os seus últimos segundos, a fita conta com imagens e depoimentos escolhidos a dedo pelo seu diretor, acompanhados de uma trilha sonora irretocável de Antonio Pinto. “Senna” é o retrato de alguém que foi um gênio das pistas, um homem que, em sua busca pela perfeição, tornou-se um exemplo para o Brasil e para o mundo, sem jamais perder sua fé e sua humildade. Recomendado.

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Thiago Siqueira é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema