Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 30 de outubro de 2010

A Suprema Felicidade

Arnaldo Jabor volta ao comando de um filme após 24 anos afastado das telas, mas se perde em meio a um emaranhado de tramas e personagens neste seu novo trabalho, quase que desperdiçando uma maravilhosa atuação de Marco Nanini.

24 anos de ausência em um ofício são suficientes para deixar qualquer um enferrujado. A prova disso é este “A Suprema Felicidade”, fita que marca o retorno de Arnaldo Jabor à direção de um longa. A despeito de alguns acertos no projeto, este é essencialmente falho e confuso, parecendo que necessitava de mais polimento em sua concepção para alcançar um resultado positivo.

O filme tem roteiro do próprio Jabor, redigido em colaboração com Ananda Rubinstein, e é baseado na própria família do cineasta, bem como em eventos de sua vida e conhecidos seus. Não se trata de uma cinebiografia do diretor, mas sim de uma versão romanceada de sua vida, algo parecido com o que Cameron Crowe fez em “Quase Famosos”, mas utilizando o cinema como referencial, não a música. No entanto, enquanto a obra de Crowe se foca em um período específico da vida de seu protagonista, “A Suprema Felicidade” tenciona ir mais além, mostrando diversos momentos diferentes da trajetória de amadurecimento de seu personagem principal, Paulo.

Vivido por três atores diferentes (Jayme Matarazzo, como um jovem adulto; Michel Joelsas, em sua adolescência; Caio Manhente, na infância), acompanhamos a vida de Paulo, seu relacionamento com sua família e sua paixão pelas mulheres. Filho de um piloto da aeronáutica (Dan Stulbach), Paulo vê a existência de sua mãe (Mariana Lima) se tornar uma pálida sombra do que poderia ser por conta do controle do marido. Em contrapartida, temos a alegria encarnada que é o avô do protagonista, o boêmio Noel (Marco Nanini), um homem apaixonado pela vida e por sua esposa (Elke Maravilha), que enxerga no neto um modo de passar adiante seu modo feliz de viver.

O grande problema de “A Suprema Felicidade” é a ausência de um foco. Jabor se contenta em ir apresentando pequenos episódios da vida de Paulo, sem muita preocupação com a narrativa, apresentando fatos fora da ordem cronológica sem nenhuma razão dramática. Alguns desses momentos funcionam bem, vide o padre falando sobre o “vício solitário”, que rende uma engraçadíssima gag visual. No entanto, temos eventos mostrados em tela que não levam a lugar nenhum, como a estranhíssima subtrama da jovem vivida pela bela Maria Flor, cujo único objetivo parece ter sido mostrar os seios da atriz na telona, ou a homossexualidade do melhor amigo do rapaz, insinuada apenas para constar.

No ato final do longa, ainda somos apresentados a outra subtrama, envolvendo uma maravilhosa dançarina de cabaré, vivida pela estonteante Tammy Di Calafiori. Agenciada – para não utilizar outro termo – pela própria mãe (Maria Luiza Mendonça), Paulo se apaixona pela moça, em um romance com raízes um tanto quanto edipianas. Essa relação, caso não fosse apresentada quase no final da projeção, poderia ser mais bem explorada, mas acaba sendo tão superficial quanto a maioria dos eventos da fita.

O elenco possui atuações heterogêneas. Quanto aos intérpretes do personagem principal, Michel Joelsas e Caio Manhente se saem melhor que Jayme Matarazzo, não só por terem um material mais sólido para trabalhar, mas também por este último ser desprovido do carisma de seus colegas.

Dan Stulbach, como Marcos, possui um arco bastante intrincado, mas no qual o ator consegue expor toda a complexidade do relacionamento que tem com sua esposa, sendo um dos pontos altos do longa. Sua companheira em cena, Mariana Lima, também tem espaço para brilhar neste arco, expondo bem a postura frágil que Sofia possui em seu relacionamento com o marido.

Ainda assim, o filme é realmente de Marco Nanini. Em cada cena em que o seu Noel aparece, o longa ganha um pouco mais de vida e cor. Mostrado como um homem alegre, mesmo em seus momentos mais sombrios, Noel é a luz na vida de Paulo, seu grande guia em sua jornada rumo à maturidade. Encarnando este papel com força e vigor, Nanini dá um show, deixando o público com uma sensação de “quero mais”, sendo o verdadeiro centro emocional da película.

Quanto às beldades, Maria Flor encarna uma confusa (e supérflua) personagem que encanta Paulo, em um já citado arco que vem do nada e vai para lugar nenhum, com a atriz merecendo mais do que viver alguém que mais parece uma caricatura. Já a dançarina vivida por Tammy Di Calafiori, mesmo com a atriz tendo um tempo de cena limitadíssimo, acaba sendo a mais interessante dos interesses amorosos de Paulo, já que a personagem é a única delas cujo arco dramático possui começo, meio e fim, mesmo sendo apresentada quando a fita já se aproxima de sua conclusão.

Mesmo apresentando uma narrativa muito menos que perfeita, o filme ainda se sai bem em certos aspectos técnicos, principalmente em sua direção de arte, que faz um trabalho primoroso de recriação do Brasil na primeira metade do século 20. Ainda temos algumas sacadas visuais de Jabor, que faz boas referências ao cinema da época, mas nada que consiga compensar a confusão que a produção é, principalmente em seus dois primeiros atos, dada a sua falta de foco.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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