Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 29 de outubro de 2010

A Suprema Felicidade

Filme marca o retorno do jornalista Arnaldo Jabor para o cinema.

Arnaldo Jabor, formado na época do Cinema Novo e tendo participado da segunda fase do movimento, buscou em seus filmes representar o mesmo neo-realismo que começou na Itália, com cineastas que vieram a se tornar gênios como Pasolini, Antonioni, Fellini, Rosselini, dentre outros. Seu primeiro longa foi um documentário. “Opinião Pública” (1967) foi lançado nos tempos áureos do movimento da Nouvelle Vague que era disseminado no mundo, mas aqui ele traça o olhar de como o próprio brasileiro se enxergava naquela época e, principalmente, naquele contexto em que estava inserido. Em seguida ele fez “Pindorama” (1970), um filme que tenta quebrar as barreiras do classicismo e, por isso mesmo, acaba tendo um resultado horrível. Parecia que Jabor estava bebendo da fonte de Picasso, quando ele mesmo quebra com o cubismo e a pintura clássica para se entregar a um estilo artístico mais livre.

Depois disso ele lança “Toda Nudez Será Castigada” (1973), chega até “O Casamento” (1975), passa por “Tudo Bem” (1978) até se deparar com o filme “Eu Te Amo” (1980). Todos eles lançados em um curto período, mesclando aspectos políticos e críticas à censura que vigorava na época com o apelo sensual que se tornou, não somente uma marca do seu cinema, mas também da sua escrita que, de alguma forma, se contrastava com os textos e comentários políticos que passou a fazer depois que deixou o cinema de lado. Com “Eu Sei Que Vou Te Amar”, também lançado na década de 80, Arnaldo Jabor alcança, para mim, a sua melhor realização ao colocar um casal em crise na grande tela, tendo atuações poderosas de Fernanda Torres e Thales Pan Chacon. Entre este último trabalho, de 1984, até o lançamento de “A Suprema Felicidade” são quase 30 anos em que o cineasta deixou de trabalhar com o cinema. Neste recente trabalho, ele faz um percurso de diálogo com os outros filmes, mas alcança um êxito mínimo e extremamente insatisfatório.

A relação que os jornais estão fazendo entre “A Suprema Felicidade” e “Amarcord” (1973), do diretor Federico Fellini, é de um crime sem fronteiras. Ambos são obras pessoais demais para que sejam comparadas mas, ainda assim, existe um diálogo entre os dois filmes. Assim como Fellini, Jabor em “A Suprema Felicidade” relata a infância que teve no Rio de Janeiro apresentando ao espectador Paulo, de 8 anos, que assiste à festiva comemoração do fim da guerra ao lado dos pais, Marco (Stulbach), aviador da FAB, e Sofia (Lima), uma mãe dedicada que, como qualquer outra mulher daquela época, ficava em casa cuidando do filho e fazendo comida. Quando ela tenta esboçar uma vontade de procurar algum emprego, as discussões logo começam entre ela e o marido, assustando o menino Paulo que sempre ouvia as brigas enquanto ficava escondido nos móveis da casa. Para superar estes tramas, ele acaba mantendo uma relação muito mais próximo e de amizade com o seu avô (Nanini), que se torna uma personagem importante na sua formação.

O filme de Arnaldo Jabor persegue Paulinho em seus estágios da vida, começando pela infância e seguindo até a adolescência, contando esta história por meio de uma montagem que não se apresenta por meio de uma narrativa linear. No entanto, Jabor demonstra, ao que parece, uma preguiça em desenvolver as suas histórias e as tramas que ele procura abordar. Paulo passa pelo colégio de padres, ouve todas aquelas passagens bíblicas, mas, em seguida, o corte que Arnaldo Jabor dá para a cena é completamente diferente do que aquilo que ele vinha mostrando. A todo momento, “A Suprema Felicidade” caminha para se tornar um filme vago em que, apenas as memórias do seu cineasta não são suficientes para fazê-lo de uma obra agradável de ser assistida. As descobertas de Paulinho, que estaria em busca da sua felicidade, são conduzidas e pinceladas de maneira confusa e as idas e vindas do roteiro contribuem para isso.

As cenas em que Paulo está em um bordel no Rio de Janeiro, quando depois uma das prostitutas é assassinada, é um desses momentos que entram para a categoria “como?” e “por que?”. Em meio a essa confusão, o longa se parece muito mais com “Eu Me Lembro”, do cineasta baiano Edgar Navarro, do que com o “Amarcord” de Fellini. No longa-metragem, Navarro promove a mesma incursão pelas memórias que Jabor tem neste seu novo trabalho e, assim como “A Suprema Felicidade”, o diretor baiano costura a sua narrativa com uma intensa trilha sonora que passa pela infância de Guiga na ainda provinciana Salvador, passando pela descoberta do sexo na adolescência. Guigo e Paulinho são dois personagens extremamente parecidos neste sentido, já que ambos estão em procura de se descobrirem enquanto homens e também seres humanos. Não é apenas a felicidade que eles buscam: eles estão atrás do auto-entendimento de si mesmos.

Por outro lado, as cenas insanas e loucas que vemos em “A Suprema Felicidade” se parecem com os rituais que são vistos no filme “A Festa da Menina Morta”, do diretor Matheus Nacthergaele. A festa real que ocorre no interior do estado do Amazonas faz com que o primeiro trabalho do ator como diretor se deixe levar por uma experiência regional e, acima de tudo, ousada. “A Festa da Menina Morta” é tão surreal quanto o filme de Jabor, fazendo com que as duas obras dialoguem, ainda que por meio de um diálogo mínimo, com o mesmo surrealismo e neo-realismo que é visto na obra-prima de Fellini. Mas os dois filmes, tanto o de Jabor quanto o de Nachtergaele, esbarram nas limitações dos seus diretores em não conseguirem manter uma narrativa coesa, equilibrada e, acima de tudo, ter uma história que seja bem contada e mostrada. Nada disso acontece em nenhuma das películas.

Mas, em meio a este espírito nostálgico que toma conta do filme de Arnaldo Jabor, o longa possui alguns acertos. A interpretação de Marco Nanini é simplesmente sensacional, extraordinária e uma das melhores do cinema nacional neste ano juntamente com a atuação de Wagner Moura em “Tropa de Elite 2″. E, por isso, fico sem entender o porquê de Arnaldo Jabor não ter mantido o foco do seu filme mais na relação do seu protagonista, Paulinho, com o seu avô. Em muitos momentos do filme, o diretor se perde completamente quando tenta enveredar por um caminho mais surrealista que foge completamente do gênero e daquilo que foi proposto pela narrativa. As melhores cenas estão na presença de Nanini, que se apresenta como um homem moderno e que está “antenado” com as transformações da época acompanhando, assim, as descobertas do seu neto.

De qualquer forma, é bom ver que o cinema nacional está se desfazendo daquela produção “filme-favela” que vinha tomando conta da grande maioria dos lançamentos. “A Suprema Felicidade” é mais um dos filmes que fora lançado neste ano que ajudam a comprovar este pensamento. Arnaldo Jabor, no entanto, parece perdido em meio à sua própria memória. Com uma direção “capenga” e cortes que não ajudam em absolutamente à sua narrativa, o longa se segura pelo bom elenco que possui (muito por conta do Marco Nanini) e pela belíssima fotografia de Lauro Escorel, que se utiliza de uma tonalidade amarela durante praticamente toda a projeção para dar significado e destaque ao Rio de Janeiro da época imaginada por Arnaldo Jabor.

“A Suprema Felicidade” se pinta de neo-realismo, mas ele, na verdade, não chega nem sequer próximo do surrealismo. Enquanto isso, Jabor ainda parece preso às raízes do movimento do Cinema Novo, que ele vivenciou nos primeiros anos da sua carreira.

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