Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 01 de outubro de 2010

Comer Rezar Amar

Tentando ser um longa que mostra a reconstrução da imagem feminina, esta fita até que se sai bem em seu primeiro verbo, mas se perde totalmente nos demais, entregando uma mensagem distorcida e anacrônica para o seu público.

Um ex-professor meu costumava falar que os redatores que ele mais admirava eram aqueles que redigiam os horóscopos para jornais, pela sua capacidade de dizer muita coisa sem escreverem absolutamente nada além de chavões genéricos, capazes de se encaixar em qualquer situação. Pois bem, os roteiristas deste “Comer Rezar Amar” merecem as mesmas congratulações ao entregarem 133 minutos disso, tentando conquistar o público apelando para todo e qualquer lugar-comum feminino.

Não me levem a mal, gosto muito de alguns trabalhos de Ryan Murphy, diretor e co-roteirista deste longa. Criador de séries como “Glee” e “Nip/Tuck”, Murphy é, de fato, um homem talentoso. Mas esta versão fílmica do livro autobiográfico homônimo de Elizabeth Gilbert, adaptada por Murphy e Jennifer Salt, mais parece uma fusão de livro de auto-ajuda com romances de banca do naipe de “Sabrina”, “Julia” e tais.

Protagonizado por Julia Roberts, o filme mostra a atriz como Liz, uma escritora que, após o fim de seu casamento com o sonhador Stephen (Billy Crudup) e de um breve romance com o jovem ator David (James Franco), decide viajar pelo mundo com o objetivo de encontrar a si mesma por meio dos verbos que dão título ao filme. Ela, então, se entrega aos prazeres da gula na Itália, busca espiritualidade na Índia e um romance em Bali. Em suas jornadas, Liz encontra pessoas que ajudarão a moldar suas experiências.

O longa é abarrotado de clichês, com diálogos que mais parecem biscoitinhos da sorte de restaurantes chineses e personagens mais parecem ter sido tirados de uma coleção de estereótipos, vide os italianos, o guru/Yoda e a própria protagonistas, a típica mulher incompreendida por todos os homens de sua vida, mesmo com estes sendo loucos por ela.

No entanto, isso não significa que o filme não tenha os seus momentos, que estão basicamente concentrados na seção “Comer” da película. Os personagens italianos, por mais caricatos que sejam, e a amiga sueca de Liz formam um grupo interessante e a sequência da protagonista aprendendo italiano por gestos é realmente engraçada. Além disso, a cinematografia deste trecho do longa é ótima, mostrando muito bem a beleza de Roma e dos pratos experimentados por Liz, retratando a degustação de cada uma daquelas delícias quase como se fosse um ato sexual (não assista esse filme antes de nenhuma refeição).

Mas eis que chega o verbo “Rezar” e o filme começa a andar em um ritmo terrivelmente lento. Se até aquele ponto as falhas da película eram mitigadas por um certo dinamismo, aqui elas ficam expostas pela morosidade da projeção. A despeito de Ryan Murphy ter acertado em não romantizar a ambientação indiana, o que seria um erro em um mundo pós “Quem Quer Ser Um Milionário?”, o cineasta claramente perde o rumo neste ponto, com a produção se arrastando em meio a diálogos risíveis e personagens chatos (vide Richard Jenkins, desperdiçado como seu xará texano) e situações óbvias, como a piadinha com a mulher em voto de silêncio e o casamento indiano. Ainda temos a apresentação de um plot envolvendo a dança no casamento de Liz e Stephen, trama resolvida de um modo absolutamente estapafúrdio.

Tentando chegar a uma conclusão com “Amar”, a fita tenta, em vão, recuperar o seu ritmo. Javier Bardem aparece perdido em cena, tentando ser brasileiro com o seu Felipe, em uma atmosfera artificial ressaltada por uma trilha de bossa nova que surge completamente deslocada. Ainda temos a participação do guru de Liz, cujas falas se resumem a frases que mais parecem vindas de pára-choques de caminhões. Tudo isso culmina na grande lição de moral do filme: toda mulher precisa de um homem. Se isso conseguiu soar ofensivo para mim, imagino como a maioria do público feminino se sentirá com esta pérola.

O longa é completamente centrado em Julia Roberts. Em dados momentos, a fotografia cria uma espécie de “aura” ao redor de sua protagonista, algo que ultrapassa os limites do cafona, vide o primeiro encontro entre Liz e David. Roberts é carismática e naturalmente bonita, conseguindo segurar parcialmente a fita, mas não tem muito com o que trabalhar nesta produção. A atriz ainda eclipsa os geralmente competentes Billy Crudup e James Franco e não possui a menor química com Javier Bardem, não havendo sinergia entre ela e seus parceiros de cena.

No final das contas, “Comer Rezar Amar” é um filme que não se encontra e falha em transmitir uma mensagem de força e de superação ao público feminino. A produção possui um roteiro disperso, que chega até mesmo a reciclar uma metáfora de “Noiva em Fuga”, trocando apenas ovos por cães. Ryan Murphy ainda tem o meu respeito, mas ele deveria ter parado no primeiro verbo do título.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

Compartilhe

Saiba mais sobre