Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 19 de setembro de 2010

Resident Evil: Recomeço (2010): um 3D excelente para um filme ruim

A despeito do uso efetivo da tecnologia 3D, este quarto longa da franquia que (em tese) adapta os jogos da CAPCOM para os cinemas está no mesmo nível de mediocridade de seu predecessor.

Não é segredo para ninguém o péssimo histórico das adaptações de games para cinema e nem que a franquia “Resident Evil” contribuiu muito para isso. Bom, é fato notório para quem acompanha minhas críticas que eu detestei o filme anterior da série. Bom, não é que eu tenha gostado deste “Resident Evil 4 – Recomeço”, mas o filme possui ao menos alguns pontos positivos para contrastar com seu roteiro imbecil.

O grande acerto deste novo trabalho do diretor Paul W.S. Anderson é o seu 3D. Ao contrário de outros desastres como “Fúria de Titãs” e “O Último Mestre do Ar”, que foram meramente “convertidos” para 3D, esta produção foi filmada com câmeras projetadas para o formato, conseguindo realmente criar uma sensação de profundidade em suas cenas e de mergulhar o espectador no filme, embora ainda tenha as já cansadas cenas de objetos sendo arremessados na direção do espectador.

Pelo menos não se trata de mais um caça-níquel do formato, que gera receitas maiores para as distribuidoras por conta dos ingressos mais caros, com o uso de tal tecnologia sendo tão efetivo quanto em “Avatar”. No entanto, como já afirmei várias vezes em meus textos, avanço tecnológico não garante bons filmes e “Resident Evil 4 – Recomeço” está longe de ser uma obra cinematográfica ao menos passável.

Resta óbvio desde o começo da série que esta fora concebida mais como um veículo para Anderson promover sua então namorada (e atual esposa) Milla Jovovich e menos como uma versão fílmica dos games em que fora “baseada”.

Com este episódio sendo escrito e dirigido por Anderson (que acumulara ambas as funções na película original), Milla é o único foco da produção, que não se preocupa nem em desenvolver quaisquer dos outros personagens, que não passam de clichês ambulantes, com o produtor de Hollywood sendo um destaque negativo nesse sentido, não conseguindo nem despertar antipatia direito. Os personagens dos games que surgem em tela, Claire Redfield (Ali Larter), Chris Redfield (Wentworth Miller) e o vilão Wesker (Shawn Roberts), aparecem apenas como fanservice, jamais sendo explorados como deveriam.

A trama coloca Alice (Jovovich) em busca dos sobreviventes da fita anterior, que rumaram para uma localidade onde a infecção de zumbis que destruiu o mundo não estaria presente. Ao encontrar apenas uma desmemoriada Claire, as duas começam a investigar o que teria acontecido e acabam chegando a uma prisão de segurança máxima, que serve de abrigo para um grupo desesperado por socorro. No entanto, a corporação Umbrella, liderada pelo sinistro Wesker, continua com seus experimentos com humanos, e Alice é o seu alvo principal.

Logo de cara, Anderson já se livra do que foi o gancho dado pelo terceiro capítulo da história para este novo filme, mantendo um padrão iniciado no filme passado de destruir os cliffhangers dos episódios anteriores, com a cena de ação inicial servindo apenas para isso. Além disso, mostrando uma terrível cara-de-pau, o roteirista coloca o personagem de Wentworth Miller, que ganhou fama com o seriado “Prision Break”, para, basicamente, planejar uma fuga de prisão! Além disso, toda a situação do presídio “homenageia” um arco da ótima graphic novel “Os Mortos Vivos”. Originalidade mandou lembranças, Sr. Anderson.

Os diálogos também são sofríveis, com os atores sendo obrigados a declamar ao menos cinco frases de efeito por minuto, com nenhuma sendo particularmente engraçada ou marcante. O elenco também não ajuda, com atuações tão canastronas que beiram a sátira, com Wentworth Miller sendo um destaque negativo nesse aspecto. Pelo menos Claire deixou de ser a caminhoneira a procura de cigarros do filme anterior, embora Ali Larter ainda pareça desconfortável no papel de garota durona. Milla Jovovich, já habituada a esse tipo de personagem, convence não por sua atuação, mas pelo fato de já estarmos habituados e vê-la como uma garota durona.

Mas preciso me ater um pouco ao vilão Wesker. Mau feito um pica-pau, algo demonstrado pela cena-clichê dele matando um de seus subordinados, o chefão da Umbrella é aquele tipo de antagonista típico das fitas de ação dos anos 1980, mas apagado e nada original, haja vista que o ator Shawn Roberts deve ter sido orientado a copiar o Agente Smith, da trilogia “Matrix”, inclusive a dicção de locutor de rádio dos anos 1940 usada por Hugo Weaving, só que sem graça ou charme. Por falar em vilões, esperem a aparição absolutamente gratuita de uma criatura dos games, cuja presença aqui não faz o menor sentido.

Visando maximizar o uso dos efeitos 3D, Anderson acaba exagerando no uso do recurso de câmera lenta, com pelo menos 95% de todos os momentos de ação do filme sendo exibidos em velocidade reduzida. Considerando que o longa tem 97 minutos, a impressão que fica é que, se as cenas de ação fossem exibidas em velocidade normal, a produção seria um média metragem! De todo modo, a película tem alguns bons momentos, como a tensa sequência submarina e a já citada sequência de luta gratuita, mas nada que consiga salvar o projeto do desastre, completado pelo péssimo design dos zumbis, que mais parecem versões rejeitadas dos Reapers vistos em “Blade II”.

Com um roteiro nada inteligente e algumas cenas que ultrapassam a barreira do ridículo, “Resident Evil 4 – Recomeço” não recomeça nada, terminando em mais um cliffhanger que, provavelmente, será destruído logo no começo do já garantido quinto filme. A única virtude deste filme é comprovar que é possível fazer um filme com uma fotografia 3D decente por um orçamento razoável. Só.

P.S.: Há uma cena pós-créditos que reforça o gancho para o próximo filme, com o retorno de uma personagem dos longas anteriores. Note que a tal personagem aparece nos créditos do filme, matando a surpresa.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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