Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Karate Kid

Refilmagem de sucesso dos anos 80 troca karatê por kung fu, mas é incapaz de atualizar a trama com qualidade, cercando-se de repetições.

Convenciona-se no mundo da crítica cinematográfica evitar comparações exageradas entre refilmagens, adaptações ou mesmo episódios de uma única franquia. “Karatê Kid”, porém, pede, clama, implora para ser analisado por meio de analogias com a versão original de 1984, clássico da Sessão da Tarde que tão bem permanece na memória dos recém-adultos. O problema é que o filme se confunde entre tantas referências e homenagens que em alguns momentos se torna inevitável perguntar o real motivo da realização desta refilmagem. Reviver? Relembrar? Sem conseguir e, aparentemente, sem querer se dissociar do longa oitentista, o filme acaba por proporcionar aos seus fãs raros momentos de originalidade e inovação e outros vários de puro embaraço. Ao público restante, sobra um entretenimento passageiro.

A proposta aqui parece ser apenas atualizar a trama. Então, concluiu-se que no mundo atual ela jamais poderia se passar em território americano. “Acho que poderia ser em um país mais ligado a cultura das artes marciais”. Esse deve ter sido o pensamento do estreante roteirista de cinema Christopher Murphey ao escolher a China como locação para seu filme. Sem nunca justificar apropriadamente o motivo da mudança do protagonista e sua mãe para o país asiático, Murphey, então, passa a procurar envolver seus personagens nas mesmas situações vividas por Daniel Larusso, Sr. Miyagi e companhia, com uma grande exceção: eles agora lutam kung fu.

É bom que se ressalte que não está sendo cobrada uma versão totalmente nova do filme, mas sim que o quase plágio fosse evitado, como fica evidente em algumas cenas semelhantes, com destaque para o momento em que o menino Dre Parker (Jaden Smith) conhece seu futuro mentor, Sr. Han (Jackie Chan). A base dessa narrativa redentora deveria se manter, mas pouco além disso. No entanto, o que vemos é uma série de repetições com meras modificações de atores e cenários, além de tentativas de modernizações de gosto duvidoso que geram ocasiões negativamente hilárias.

Em “Karatê Kid”, tudo volta a ser motivado pela briga entre uma gangue de garotos “delinquentes” e o protagonista, em decorrência de um ciúmes inconsequente em torno de uma garota. Se aqueles eram adolescentes rebeldes em busca de confusão, eles agora são crianças estereotipadas de personalidade maléfica incapazes de realizarem um gesto de bondade. Já a menina não mais ouve som e paquera na praia com as amigas. Ela agora toca violino em uma praça super movimentada sem a companhia de ninguém. Na tentativa de rejuvenescer os personagens, o roteirista acaba por enfraquecer a beleza desta história e dá a ela um aspecto de inverossimilhança.

Christopher Murphey também leva a sério demais sua trama. O tom de descontração, que por vezes o filme de 1984 possui, se perde, restando apenas a Taraji P. Henson, que interpreta a mãe de Dre, a função de proporcionar algumas escassas risadas. A coisa piora quando decide-se instalar um drama ainda mais intenso com a revelação do passado de Sr. Han. Por falar nele, este é um dos maiores déficits desta refilmagem. Jackie Chan é absolutamente incapaz de trazer a serenidade e a sabedoria exalada por Pat Morita, por mais que tente desesperadamente, chegando ao ponto de imitar o modo de andar do clássico personagem.

Por outro lado, Jaden Smith assume um papel mais liberto e diferente e, por isso mesmo, um dos pontos altos do filme. O carisma já demonstrado pelo ator em longas como “À Procura da Felicidade” volta a se repetir, mas agora em uma  performance exigente em termos físicos. E nesse quesito, Smith merece todos os méritos. Impressiona como aquele franzino menino de doze anos se torna um belo lutador de kung fu, desenvolvendo sua agilidade e melhorando seus golpes diante dos olhos do público.

O ator, aliás, é responsável por boas cenas de lutas exibidas no longa, resultado de ótimas coreografias e direção competente de Harald Zwart ( do horroroso “A Pantera Cor-de-rosa 2“). O cineasta, porém, não consegue se conter na sequência final e se rende a exageros lamentáveis, visivelmente na intenção de fazer algo mais marcante do que o famoso “golpe da garça” desferido por Daniel Larusso. Em mais uma tentativa de imitação, o longa compromete sua própria qualidade.

E se a duração da fita é demasiadamente longa (são incríveis 140 minutos que prejudicam o ritmo e podem causar sono), é preciso que se destaque as belas locações encontradas para fazer o filme. Explorando espaços turísticos da China, como o estádio olímpico “Ninho do Pássaro” e a Cidade Proibida, mas sem deixar os humildes ambientes residenciais de lado, “Karatê Kid” vibra, chegando ao auge na linda tomada em que Dre e Sr. Han treinam em plena Muralha da China.

Preso às amarras de uma versão superior, “Karatê Kid”, no entanto, incomoda com sua insistência de referenciar. Se a intenção dos produtores era causar nostalgia nos fãs do filme original, ela foi fracassada. Pode até servir como diversão instantânea, mas com tantos clichês e repetições, o máximo que o filme deve alcançar é reproduzir o sucesso na Sessão da Tarde, em uma época em que a qualidade dos longas da sessão global é bem inferior.

P.S: As fãs de Justin Bieber que pretendem assistir ao filme apenas para ouvir a música “Never Say Never”, cantada em parceria com Jaden Smith, terão de esperar até os créditos finais para se satisfazerem. Não esperem, porém, ver o cantor exibir sua franja na tela grande. Escutá-lo já basta.

Darlano Didimo
@rapadura

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