Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 20 de julho de 2010

Cadê os Morgan?

Sabe comida de ontem requentada? Pois este filme é o equivalente cinematográfico a isto. Atores com interpretações no automático, piadas batidas e até mesmo uma direção ultrapassada.

O canal Multishow costumava exibir uma versão editada de “Sex And The City” a qual chamava de “Sex And The City Light”, cortando alguns palavrões e outras cositas mas, o que tirava muita da graça da situação e das personagens. Imaginem isso, somado a um Hugh Grant no piloto automático, um diretor/roteirista sem muita imaginação e… sem a cidade! Aliás, a falta da cidade é exatamente o mote deste “Cadê os Morgan”.

Escrito e dirigido por Marc Lawrence, que já tinha comandado o eficiente “Letra e Música”, repete a dobradinha com Hugh Grant, mas tira Drew Barrymore da equação e adiciona Sarah Jessica Parker. Na trama, Grant vive o advogado Paul Morgan que está tentando reconquistar a sua esposa, a independente Meryl (Parker), após um deslize conjugal que os separou. Após consegui-la levar para um jantar, os dois acabam presenciando um assassinato. Perseguidos pelo assassino, os dois são colocados no programa de proteção a testemunhas e encaminhados para a zona rural americana até que o criminoso seja preso.

A partir daí, o filme embarca na básica rotina de fazer graça da diferença entre os costumes e idiossincrasias dos protagonistas da cidade e seus anfitriões do interior. E dá-lhe piadas óbvias do tipo “Sinto falta do barulho!” ou “O ar daqui é muito limpo!”. Inclua aí tiradas com a cultura interiorana americana com armas, republicanos e cavalos. Enquanto isso, Paul continua a tentar reconquistar Meryl, esta continua em crise e querendo ser mãe e o bandido atrás de encontrar o casal e o espectador começa a bocejar.

Não há NADA de original no roteiro e o desenvolvimento é extremamente explicadinho, parecendo que o público tem problemas mentais. Um bom exemplo disso é a gag envolvendo um urso, que já aparece no trailer e é preparada, literalmente desde a chegada do casal à cidade. Não há espaço para imaginação no filme, o público sabe exatamente como tudo vai acontecer. Ou seja, se torna um filme chato justamente por ser previsível.

Para piorar, Marc Lawrence também não mostra nenhuma criatividade na função de diretor. Assumindo um ritmo burocrático, o cineasta chega ao cúmulo de inserir uma establishing shot, aquelas tomadas usadas em séries de TV para mostrar aonde a próxima cena vai se passar, algo em desuso no cinema justamente por ser um recurso que basicamente insulta a inteligência do espectador.

Hugh Grant se encontra no piloto automático, pouco exibindo o seu carisma, se limitando a repetir os seus maneirismos habituais, como sua leve gagueira e jeito meio sarcástico e meio irônico. O pouco de background do personagem que aparece no filme é pouco utilizado pelo ator.  O mesmo pode se dizer sobre Sarah Jessica Parker, cuja Meryl  mais parece uma versão sem graça da Carrie de “Sex And The City” só que na ânsia de ser mãe. Os dois simplesmente não têm química e formam um dos casais mais desinteressantes da história recente das comédia românticas.

Honestamente, o filme só chama alguma atenção graças aos anfitriões dos Morgan, o xerife Clay Wheeler e sua esposa Emma, vividos respectivamente por Sam Elliott e Mary Steenburgen, os melhores atores em cena, que conseguem fazer com que seus personagens funcionem de contraponto aos Morgan sem fazer com que apareçam como clichês ambulantes, ao contrário do restante da cidade. Juro que se o filme fosse focado nos Wheeler, seria uma produção bem mais interessante.

Outro casal bem mais interessante que o principal é a dupla de assistentes dos Morgan, vividos pela talentosa (e desperdiçada) Elizabeth Moss e pelo estreante Jesse Liebman. Aliás, chega a ser triste notar que quase qualquer outro núcleo do filme seria mais interessante de se acompanhar que o dos protagonistas.

Digo quase porque ainda temos os vários personagens bidimensionais que surgem no longa como o médico, a enfermeira, o dono da lanchonete e sua neta… Se trocassem os atores que interpretam essas figuras por recortes de papelão, duvido que alguém notaria a diferença. Ah, se esqueci do “vilão” do longa é porque o próprio filme se encarrega de fazer isso, só o trazendo à tona em um momento conveniente para a trama e despachado de um modo que lembra muito a cinessérie “Esqueceram de Mim” em seus piores momentos.

Produzir comédias românticas é algo bem complicado porque todos já sabemos como os filmes desse gênero terminam. O difícil aqui é construir uma jornada interessante e criativo para os personagens até chegar no “felizes para sempre”, algo que esta fita simplesmente falha em fazer.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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