Apesar do espetáculo visual, o longa deixa a desejar em história.
Depois dessa produção, Tim Burton pode ser considerado um dos cineastas mais excêntricos já existentes. “Alice no País das Maravilhas” se resume a um filme de experimentações artísticas e evidencia que seu propósito foi deleitar os espectadores com um espetáculo visual, construído unicamente pela identidade estética de seu diretor.
A arte dos filmes tridimensionais ainda engatinha. Assim como nos primeiros filmes com som, com cor ou com efeitos especiais, temos pela frente um longo caminho a ser percorrido, ainda que já tenhamos uma qualidade deveras respeitável. Agora as produções 3D investem no espetáculo visual e quase somente nele, não sendo o bastante.
Na trama, Alice Kingsley se via obrigada a consumar um casamento, que era a certeza de uma vida social estável. Confusa com seus desejos, Alice acaba sendo atraída por um coelho inquieto e, ao tentar entrar em sua toca, acaba caindo em um lugar desconhecido, com criaturas estranhas e um visual diferente. Lá ela conhece o Chapeleiro Maluco, que esperava que o reinado da Rainha Vermelha chegasse ao fim, para que a Rainha Branca pudesse reassumir o trono que lhe era de direito. Nessas situações, Alice é obrigada a tomar partido e isso acaba fazendo-lhe refletir sobre sua vida.
O primeiro passo para se analisar a história de Alice é compreender o quão importante são suas simbologias, analogias, alusões e interpretações do mundo. Vendo por esse ponto, o filme – ou seria a história? – é bastante interessante. Temos o famoso coelho branco, que representa a passagem para o desconhecido. Vemos também a simbologia explícita, que demonstra que a personagem Alice só é capaz de adentrar naquele mundo quando ela assume a forma de uma criança. E aqui e ali, temos esses sinais durante a projeção. Mas não espere o desenvolvimento psicológico desses pontos, como em “Onde Vivem os Monstros”.
E esse é o calcanhar-de-Aquiles do filme. Tentando abranger um grande público e agradar a todos pelo seu visual, o longa abre mão de ter um roteiro psicologicamente complexo e desdenha da rica mitologia da história original. Resulta em um filme infantil, imaturo, incompleto, medíocre e que não é nada original, a não ser por sua estética.
Em sua técnica, o filme é irrepreensível. Tim Burton proporciona que os efeitos tridimensionais sejam aplicados de uma maneira fantástica; diga-se de passagem, de forma muito mais eficaz que em “Avatar”. A direção de arte do longa – e isso sim, merece total reconhecimento -, é indiscutivelmente irrepreensível. A magia está justamente em cada pequeno detalhe que está em tela, que pode ser evidenciado, por exemplo, na precisa caracterização de cada personagem do longa.
A fotografia ainda é aplicada com grande competência, sabendo como identificar o mundo real e o imaginário, e como alternar nos diversos ambientes construídos no filme. Obviamente, a mão pesada e inconfundível de Burton dá um toque gótico e surreal ao visual da obra. É justamente essa experiência visual única que garante que a película cumpra ao menos com parte de sua proposta.
No elenco, temos um time fantástico como personagens secundários, mas a protagonista é de grande incompetência. Mia Wasikowska não tem carisma algum e não consegue alcançar nenhuma expressividade; na intenção de demonstrar inocência, alcança quase um estado de idiotia. Em contraponto, temos uma Helena Bonham Carter brilhando novamente dando um tom irônico ao seu personagem e roubando as cenas. Johnny Depp faz um bom trabalho, ainda que lembre outros personagens de sua carreira, mas sempre com competência e com enorme facilidade de modificar absurdamente seu visual. Destaque também para a caricata, porém adequada atuação de Anne Hathaway.
A trilha de Danny Elfman funciona bem nas cenas, mas não tem a força, originalidade ou beleza que deveria. Contudo, a edição de som mostra-se bastante eficiente na construção dos elementos atípicos do universo construído por Alice e torna ainda mais verossímil os personagens construídos por efeitos especiais, que se mostram em perfeito equilíbrio com elementos reais e computadorizados.
“Alice no País das Maravilhas” é um longa direcionado ao público infantil, o que justifica 98% de suas cópias dubladas, e que não se importa em desenvolver a filosofia e os personagens da história original, e sim ostentar e promover o ápice da tecnologia tridimensional. Tim Burton certamente estava ciente da pobreza de seu roteiro, mas sua excentricidade apenas o permitiu considerar o quanto seu talento podia ser adaptável a novas “modalidades” cinematográficas. A questão reincidente – vide “Avatar” – é a seguinte: Até quando essas experimentações estão sendo proveitosas? Talvez essa seja o início da desvalorização do velho cinema que meu avô tanto falava.