Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 18 de abril de 2010

Coração Louco

Jeff Bridges dá show nesta versão pop e falha de "O Lutador".

Assistir a “Coração Louco” e não lembrar de “O Lutador” é quase impossível, já que os dois filmes falam praticamente do mesmo objeto: a decadência do homem. A diferença está apenas no contexto. Se Darren Aronofsky levou o nojento e cruel mundo da luta às telas, Scott Cooper escolheu a música country americana para inserir o seu anti-herói. Já consagrados em suas respectivas profissões, os protagonistas passam por um período de esquecimento. As apresentações agora são escassas e o dinheiro serve apenas para sobreviver e sustentar seus vícios. Até que surge uma mulher…

No entanto, as duas obras se distanciam bastante quando o assunto é qualidade. “O Lutador” é, definitivamente, um filme diferenciado. A direção e o roteiro de Aronofsky são mais originais, metafóricos, profundos. Já Scott Cooper conta uma história nos moldes comuns, com relacionamentos humanos atropelados e um desfecho decepcionante. O seu diferencial está na bela performance de Jeff Bridges e nas excelentes canções compostas T- Bone Burnett e Stephen Bruton, pelos quais foram merecidamente reconhecidos no Oscar 2010.

Bridges interpreta Bad Blake, um famoso cantor e compositor de música country. O seu auge já passou e hoje ele se apresenta em palcos improvisados em pequenos locais de cidades interioranas dos Estados Unidos. O público é reduzido, mas ainda assim respeitador do trabalho dele. O mesmo não acontece por parte de Bad. Ele se rende ao hábito inveterado de beber e fumar, e algumas vergonhosas atitudes acontecem em frente a sua audiência.

Em uma de suas viagens com seu inseparável carro, ele conhece a jovem jornalista Jeannie (Maggie Gyllenhaal), interessada em saber mais sobre a vida do cantor. O envolvimento, entretanto, vai além, e os dois acabam se apaixonando. O pequeno filho da moça, Buddy (Jack Nation), também serve para aproximá-los. Entre beijos e inspirações para novas músicas, Bad é convidado pelo seu agente para abrir o show de um antigo desafeto do cantor, Tommy Sweet (Colin Farrel). Apesar de sua vontade ser recusar, ele aceita a proposta, e uma consequente retomada do sucesso na carreira poderá acontecer.

“Coração Louco” começa bem. Focando-se na rotina desgastante e desinteressante de Bad Blake, a trama constrói o universo perfeito para retratar a decadência do outrora astro. O dia se resume a beber uísque, fumar cigarro, dormir, fazer show e, eventualmente, transar com alguma fã de idade avançada. As composições cessaram e ele sobrevive de antigos sucessos consagrados. A qualidade de sua voz e do ritmo de seu violão continuam as mesmas. O que falta é comprometimento e vontade.

Uma mudança na vida do protagonista, então, é necessária para que a história possa adentrar na complexa mente de Bad, mas é exatamente aí que o filme encontra suas falhas. Resumi-las à entrada da personagem de Maggie Gyllenhaal seria inapropriado, já que a atriz faz um bom trabalho (apesar de não justificar sua indicação ao Oscar como coadjuvante). Porém, é a partir do início da relação entre os dois que o roteiro desanda e cai no lugar comum. O envolvimento acontece de maneira muito atropelada, ao ponto de um “eu te amo” ser dito pouco tempo depois de se conhecerem.

Além disso, o nascimento da paixão entre Jeannie e Bad não exerce sua função reflexiva apropriadamente. O filme vira uma mera história de amor, deixando os arrependimentos de uma vida desperdiçada e fracassada de lado. O cantor até que tenta entrar em contato com seu filho de 28 anos, o qual largou em seu quarto aniversário. Mas as tentativas são tão tímidas e isoladas que a impressão é de que ele realmente quer manter distância do rapaz. Diálogos ou até mesmo fotos poderiam relembrar fatos do passado do homem, mas isso simplesmente não acontece. Ao final do longa, Bad permanece alguém desconhecido aos olhos dos espectadores. Ficamos sabendo apenas o seu verdadeiro nome.

O roteiro de Scott Cooper também não explica o sentimento de ódio que o personagem nutre por seu concorrente e aluno Tommy Sweet. As desavenças parecem ser tantas que Bad nega tocar no nome do astro em entrevistas. No entanto, à primeira conversa que possuem, tudo desaparece. Os dois voltam a ser amigos logo após um pedido de desculpas inconvincente e, a partir de então, uma espécie de parceria tem início: Bad escreve as canções e Tommy as interpreta. Furo de roteiro maior não poderia haver.

Quem sustenta “Coração Louco” é mesmo Jeff Bridges. Falar em incorporação não seria exagero, já que os trejeitos, o sotaque e até o talento para cantar parecem fazer parte da personalidade do ator. Estamos diante de uma aula de interpretação por parte de um profissional que demorou a ser reconhecido por sua própria categoria. O Oscar não veio por acaso, mas também serviu para consagrar uma carreira que inclui obras de referência, como “A Última Sessão de Cinema”. E como esquecer seu “The Dude” em “O Grande Lebowski”? Impossível.

Daqui a alguns anos, no entanto, “Coração Louco” será lembrado apenas como o filme pelo qual Jeff Bridges venceu o Oscar de melhor ator, enquanto que “O Lutador” será um longa envolvente e massacrante que revelou novamente Mickey Rourke para o mundo. Falta emoção e um roteiro mais cuidadoso por parte de Scott Cooper. Sobra Jeff Bridges.

Darlano Didimo
@rapadura

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