Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 03 de abril de 2010

Chico Xavier

A vida do principal difusor do espiritismo no Brasil é o argumento para um filme esteticamente original e de qualidade inegável.

No ano do centenário de nascimento do médium mineiro Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier, o mercado de audiovisual brasileiro se rende a força da doutrina espírita e oferece ao público uma série de produções fundamentadas na religião. Até o final do ano, cinco filmes que chegarão aos cinemas nacionais terão como mote a vida e a obra do médium, e pelo menos duas telenovelas terão forte apelo espírita em sua trama. Nenhuma das produções parece ter mais força junto ao público do que “Chico Xavier”, do diretor Daniel Filho.

O longa acompanha a vida do médium desde a sua infância interiorana, na cidade mineira de Pedro Leopoldo, até o auge do seu reconhecimento público. Pelas mãos certeiras de Daniel Filho, somos apresentados ao drama familiar vivido pelo garoto Chico, órfão de mãe desde cedo e criado em um ambiente hostil, representado pela sua madrinha. Conhecemos o Chico estudante, que já causava estranhamento por escrever redações prolixas e bem elaboradas, e percebemos que desde cedo o mineiro lutou contra incrédulos que associavam a mediunidade ás artimanhas das trevas.

Três atores dividem a tarefa de representar Chico ao longo de sua vida e carreira. O garoto Matheus Costa vive o médium entre os anos de 1918 – 1922, provavelmente a fase mais conturbada de sua trajetória, marcada pela dúvida sobre o seu dom e por uma vida familiar insegura.  O excelente Ângelo Antônio dá vida ao período de gradativa aceitação da mediunidade (1931 – 1959), e mostra ao espectador as primeiras sessões de psicografia de Chico. O ator exagera um pouco na representação de um Chico que vivia em eterna paz e ausência de conflitos, mas não chega a comprometer seu trabalho. Também é a fase onde a polêmica sobre a veracidade das cartas e textos psicografados abre espaço e se torna uma constante na vida do médium. É desse período uma das cenas mais emocionantes do filme, a que exibe a impotência de Chico diante da morte do irmão.

Embora três atores dividam a cena para representar o médium, o principal foco do filme gira em torno de Nelson Xavier, que com uma interpretação segura e bem dosada para evitar excessos cênicos representa Chico entre os anos de 1969 – 1975. O ator cumpre bem o seu papel e garante leveza e naturalidade ao personagem. A semelhança entre ator e personagem é assombrosa, e Nelson imprime em sua atuação todos os trejeitos e maneirismos tão particulares ao mestre espírita. É impossível imaginar alguma outra opção do diretor para a representação de Chico na sua fase madura.

Raros atores oferecem ao público uma interpretação pouco satisfatória e não convincente e o elenco de estrelas globais, presença constante entre os protagonistas do filme, é convincente. Merecem destaque os atores Tony Ramos, Christiane Torloni, Cássia Kiss e Rosi Campos. Mesmo assim, a atuação dos citados atores não atinge ápices dramáticos e cada um deles parece inserido dentro de uma trama de novela da Rede Globo.

Sobre os aspectos técnicos, “Chico Xavier” pode ser considerado um primor artístico, se levados em consideração critérios como ousadia de enquadramentos, fotografia e trilha sonora. Os responsáveis por cada setor de criação garantiram um filme original e agradável aos sentidos e qualquer traço de amadorismo foi deixado de lado. As locações, a ambientação de início de século e o figurino dos atores também merecem destaque. O trabalho triplo para representar as distintas fases da vida do médium superou qualquer expectativa sobre as limitações do cinema nacional.

“Chico Xavier” deve agradar todo um público que busca auxílio espiritual nas obras do médium, mas não deixa de ser interessante para quaisquer outros grupos religiosos e para a audiência em geral. Vale a pena conhecer um pouco mais sobre a vida de uma das figuras mais importantes e carismáticas do século passado.

Jader Santana
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