De maneira arrebatadora, o longa nos atinge com beleza visual e muita adrenalina.
Certamente o mais próximo que podemos chegar da literatura em uma adaptação cinematográfica são as animações. Talvez por isso Robert Zemeckis tenha abandonado seus dias de “Forrest Gump” e “De Volta para o Futuro” e mergulhado de cabeça em “A Lenda de Beowulf” e no mais recente “Os Fantasmas de Scrooge”. Cito Zemeckis por ele ser um exemplo de diretor que percebeu as possibilidades infinitas desta nova e instigante vertente. Ângulos impossíveis, cenas meticulosamente elaboradas, não tendo nem o céu como limite, uma linguagem única que extrapola o cinema tradicional e adentra em um mundo novo. Foi assim com “Avatar”, é assim com a gigante Pixar e suas obras primas. E correndo por fora, quase na mesma velocidade de sua concorrente, está a DreamWorks com seu novo “Como Treinar o seu Dragão”.
Partindo de pressupostos clássicos, as animações do momento se baseiam na beleza dos detalhes e no valor de suas mensagens. Ainda não chegamos ao ponto de investir em fortes dramas psicológicos, apesar de existirem híbridos como “Waking Life” ou mesmo o francês “La Planète Sauvage” de 76, mas neste universo de perfeição visual em 3D, creio que o mais importante seja a união da beleza com a simplicidade de uma história simbólica.
Baseado no livro de Cressida Cowell, “Como Treinar o Seu Dragão” traz a história do garoto Soluço. É por ele que somos apresentados ao seu vilarejo de vikings, um bando brucutus mal encarados que “adoram o cheiro de dragões mortos pela manhã”. Seu povo está em guerra há muito, muito tempo contra estas bestas voadoras, e nada para eles é mais importante do que exterminá-los de uma vez por todas. Comandando a todos com mão de ferro está Stoico, o Imenso. Ele é pai de Soluço, apesar da gritante desigualdade genética para com seu filho. Enquanto Stoico é realmente… Imenso, Soluço é um garoto vara-pau que nem ganhando 20 quilos teria o porte físico de um verdadeiro viking.
Mas isso não desanima o garoto, que sonha em se tornar um grande caçador de dragões. Como ele não tem a força necessária para isso, constrói armas mirabolantes para alcançar seu objetivo. O jovem caçador percebe que aquilo não é para ele no momento em que conhece Banguela, um simpático dragão que se afeiçoa a ele, mostrando que tudo que sabem sobre estes seres até então estava errado. É ai que começa sua luta para mostrar a todos que uma convivência pacifica é possível, fazendo uma analogia clara aos estereótipos, preconceito e quebra de paradigmas.
Como disse, a trama pode parecer básica, e realmente é, apesar de muito bem trabalhada em suas camadas. Mas o grande trunfo desta obra é seu carisma com o público, além de, é claro, suas sequências estonteantes. Sendo praticamente um filme de ação com comédia (algo ligeiramente novo no gênero), o filme conquista seus espectadores pela riqueza de detalhes e por suas cenas incríveis, que não perdem quase nunca o ritmo.
Além disso, personagens palpáveis fazem a diferença. Temos o Viking perneta e maneta que é puro coração, temos os amigos (ou seriam inimigos?) de Soluço, cada um representando um tipo diferente de jovem – o mais engraçado é o gordinho que trata tudo como se fosse um AD&D, “Este dragão tem força 8, + 4 com as garras”, diz ele. Para quem conhece o universo, um toque de classe.
O deslumbre da animação e suas qualidades técnicas completa o pacote. O 3D aqui é muito bem utilizado. Apesar de muitas vezes decolar nas costas do dragão (o que é bem legal, mas comum), o filme se utiliza de longos e distantes enquadramentos de perfil (algo inusitado) e com a profundidade perfeita do 3D, e o resultado chama a atenção.
Os dragões são uma comédia a parte. Cada um com sua personalidade própria. Temos os mais bobões, os desengonçados, os terríveis e o Banguela, protagonista dragão que se destaca dos demais. Sendo claramente uma união de um gato gigante com um lagarto com asas, o novo amigo de Soluço tem um comportamento organicamente perfeito, sua naturalidade até nos faz esquecer que alguém ralou muito para seus movimentos serem tão sutis e perfeitos.
Na direção do filme estão Chris Sanders e Dean Deblois, voando bem alto após seu carismático, mas esquecível “Lilo e Stich”. As dublagens originais ficam a cargo de jovens talentos. Jay Baruchel, que participou do engraçado “Trovão Tropical”, interpreta Soluço. O gordinho engraçado Jonah Hill, de “SuperBad”, entra na pele do valentão Melequento. America Ferrera, a “Ugly Betty” dos states, faz a bela e mal encarada Astrid. Temos ainda Christopher Mintz-Plasse, ator que está no aguardado “Kick Ass”, como Perna de Peixe, e Gerard Butler como Stoico, o Imenso. A dublagem brasileira poderia ser melhor, principalmente com o protagonista e seus amigos, mas quem está acostumado vai adorar a competência dos dubladores profissionais.
“Como Treinar Seu Dragão” é uma história que aborda temas como relacionamentos entre pais e filhos, mudanças de pensamentos e atitudes, além de mostrar como é sempre bom ter a mente aberta para novas experiências. Se você não encara as animações de hoje em dia como um máquina capitalista herege e sem alma, com certeza irá gostar.