Especialista em explorar personagens de universos pouco convencionais, a Pixar se aventurou em 2001 com uma trupe de personagens bem "assustadores" na divertidíssima animação "Monstros S.A.", que mostrou que os monstros também têm coração. E empregos, neuroses e senso de humor.
Quando nos tornamos adultos, costumamos rir das coisas das quais tínhamos medo quando crianças. Dentre essas fobias infantis, uma das mais comuns é a dos monstros escondidos em armários ou embaixo das camas. Aproveitando-se dessa noção, a Pixar produziu esta maravilhosa animação chamada “Monstros S.A.”, explorando esse universo monstruoso e mostrando os motivos pelos quais essas criaturas possuem para assustar pobres e indefesas crianças.
Os monstros vivem na alegre e movimentada cidade de Monstrópolis e vivem em uma sociedade bem parecida com a nossa. No entanto, a fonte principal de energia por lá são os gritos de crianças, produzidos pela Monstros S.A., que abastecem desde os radinhos de pilha até os carros da população local.
O maior assustador da empresa é Sulley, um adorável grandalhão peludo que está prestes a bater o recorde de sustos da companhia, sempre ao lado de seu fiel assistente e melhor amigo Mike Wazowski, um esverdeado monstro bola de um olho só, completamente apaixonado por sua namorada Celia. O maior rival dos dois é o reptiliano Randall Boggs, que possui a camaleônica habilidade de se camuflar no ambiente.
No entanto, Monstrópolis está vivendo uma crise de energia, ocasionada pela falta de gritos. Afinal, as crianças de hoje não se assustam muito fácil. Certa noite, Sulley acaba dando de cara com a menina Boo, uma criança que saiu mundo humano para Monstrópolis, vinda de uma porta deixada aberta por Randall.
O grande problema é que crianças são consideradas tóxicas pelos monstros e assustam mais esses seres do que eles aos pequenos. A partir daí, Sulley e Mike tentam levar Boo de volta para casa, mas esbarram em uma grande conspiração que pode envolver o próprio futuro da Monstros S.A.
O roteiro da produção, escrito por Andrew Stanton (de “Wall-E”) e Daniel Gerson, a partir de uma história desenvolvida pelo próprio diretor do longa, Pete Docter (que posteriormente comandou o oscarizado “Up – Altas Aventuras”), é cheio de ótimas sacadas, brincando com as expectativas do público todo o tempo. Além disso, conceitos como a cidade de Monstrópolis, os monstros banidos, a própria empresa-título e seu depósito de portas são simplesmente geniais e muito bem explorados pelo filme.
Os personagens são extremamente carismáticos e apaixonantes, além de terem um design bastante inteligente. É difícil não se levar pelo senso de humor e a bondade de Sulley, o jeito irônico e atrapalhado de Mike ou pela inocência de Boo. Até mesmo o vilão Randall tem o seu charme, sendo deliciosamente maligno. Os coadjuvantes também são bastante divertidos, ajudando a estabelecer a diversidade de Monstrópolis.
Mas o que nos captura mesmo são as relações entre Sulley e Boo e a química entre o peludão e Mike. Enquanto a crescente amizade entre o monstro e a garotinha é o coração do filme, o companheirismo e a cumplicidade entre Sulley e seu parceiro são o seu motor. A química entre os dois é perfeita, sendo difícil não coloca-los como uma das grandes duplas da história (não tão) recente do cinema.
O apuro técnico do filme e os cuidados com a produção continuam a impressionar, mesmo mais de uma década após sua feitura. Docter e sua equipe trataram do universo dos monstros com um cuidado tão grande que fica difícil não se impressionar até hoje com o visual da produção.
É comum o público se assombrar (no bom sentido) com elementos como os pelos de Sulley, o cabelo de Boo ou as diversas expressões faciais de Mike e camuflagens de Randall, mas o que surpreende é a atenção dos realizadores com os pequenos detalhes na fita, principalmente em sua direção de arte.
Cada cenário tem suas peculiaridades, desde uma textura diferenciada na parede até brinquedos espalhados no chão (contendo easter eggs para os fãs do estúdio, aliás). São coisinhas que ajudam o público a mergulhar de cabeça naquele mundo. Sem falar das obviedades, como o maravilhoso andar de sustos (cuja primeira aparição faz uma bela rima visual com seu estado no final do filme) e o já citado depósito de portas, que gera uma das cenas de ação mais empolgantes da história da Pixar.
Outro momento de destaque é o restaurante Harryhausen’s. Além de ser uma inteligentíssima homenagem a Ray Harryhausen, responsável pelas criaturas em stop-motion de clássicos como o “Fúria de Titãs” original e “Jasão e os Argonautas”, o local ainda é o cenário de uma ótima sequência no melhor estilo “Cantina de Mos Eisley” de “Star Wars”, apresentando de maneira bem divertida vários monstros.
É interessante notar como Pete Docter reconhece os pontos fortes da tela, vide a cena em que Randall se camufla com um quadro perto de um corredor. Além disso, há de se louvar o dinamismo das cenas de ação comandadas pelo cineasta e a ótima fotografia do filme, que tem um grande papel na inversão das expectativas do espectador citada anteriormente.
A dublagem dos personagens é maravilhosa. Seja com o cast original ou na versão nacional, os personagens ganham muito graças aos ótimos profissionais que emprestam suas vozes a eles. John Goodman e Billy Crystal, que vivem Sulley e Mike, se mostram em perfeita sintonia, principalmente Crystal, cuja dicção acelerada e levemente neurótica cai como uma luva para o “Zoiudinho da Mamãe”.
A decisão de colocar uma garotinha de verdade, a pequena Mary Gibbs, para dublar Boo se mostrou acertada, já que a inocência dela aparece na pequena de uma maneira doce e apaixonante. Ainda destaco o trabalho de Steve Buscemi como o vilão Randall, que parece estar se divertindo bastante ao viver o escorregadio vilão.
A ótima trilha sonora de Randy Newman também merece elogios, sendo bastante apoiada no jazz, algo que também se repete em várias obras da companhia. Há de se notar que, durante o filme, temos apenas a presença da trilha instrumental, com uma canção surgindo apenas nos créditos finais, interpretada por Goodman e Crystal (ainda como Sulley e Mike).
Contando ainda com uma conclusão capaz de arrancar um sorriso até do mais carrancudo dos espectadores, “Monstros S.A.” continua sendo uma das minhas animações favoritas, resistindo ao teste do tempo e se mostrando uma das mais divertidas produções da Pixar. Recomendado!