Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 20 de março de 2010

O Fantástico Sr. Raposo

"Eu também te amo. Mas eu não deveria ter casado com você". Quando alguém imaginaria ouvir um diálogo desses em uma animação? Nessa maravilhosa adaptação do livro homônimo de Roald Dahl, Wes Anderson surpreende.

Quando eu digo que esta bela animação se trata de um trabalho típico de Wes Anderson é porque ela reúne todos os elementos comuns da filmografia do cineasta, com conflitos familiares e existenciais sempre em primeiro plano, apreço visual e uma melancolicamente animada – e estranha – trilha sonora.

O filme é centrado no Sr. Raposo, um esperto e elegante animal que adora roubar galinhas e outros aperitivos dos fazendeiros locais. No entanto, quando sua amada Felicity engravida, ele sossega e começa a trabalhar como colunista no jornal do bosque. Alguns anos se passam e Raposo se vê inquieto em sua vida. Seu filho, Ash, é um rapaz frustrado por se sentir deslocado e a única constante na sua existência é o amor de sua esposa.

Não demora muito para que Raposo volte a sua vida antiga, sempre em segredo da sua esposa. As coisas se complicam em casa quando o jovem sobrinho do nosso protagonista, Kristofferson, chega para passar um tempo com a família e o fato dele ser perfeito em tudo deixa Ash ainda mais neurótico. No entanto, a situação de Raposo piora quando este acaba irritando os três fazendeiros mais ricos da região, principalmente o sinistro Bean, colocando todo o bosque em apuros.

Adaptando ele mesmo o texto de Roald Dahl, Anderson cria uma narrativa altamente envolvente e nos apresenta a uma série de personagens incrivelmente carismáticos, a começar pelo próprio Sr. Raposo. É fácil para o público se envolver com seus dilemas, pois todos fazem, de um modo ou outro, concessões para conviver em família. Ash acaba representando a insegurança dos filhos frente a pais e irmãos talentosos, enquanto Felicity se mostra como a mãe sempre equilibrada e tranquila.

Mas, ao mesmo tempo em que nos enxergamos em Raposo e nos seus amigos, por meio da antropomorfização daqueles animais, a natureza bestial deles jamais é negada, vide o modo como se confrontam algumas vezes e seus “modos” à mesa. Isto é, inclusive, parte da mensagem do filme, que diz que devemos nos aceitar como somos.

Os outros animais do bosque são igualmente fascinantes, com destaque para o advogado Texugo e o zelador Kylie, com seu olhar de… bem, nada. Os vilões também são bastante divertidos, com o fazendeiro Bean sendo realmente memorável, bem como o esguio Rato, que é a verdadeira antítese do Sr. Raposo, mas que também se mostra mais complexo do que parecia inicialmente.

Anderson não nos apresenta apenas a personagens fabulosos, como também o visual do filme é sensacional. A animação em stop-motion do filme é soberba e bastante fluida, chegando realmente a impressionar. O visual dos bonecos também é bastante inspirado, com destaque para o figurino dos animais, combinando com a personalidade de cada um e lhes dando um estilo próprio.

A direção de arte da película é igualmente inspirada, apostando em elementos coloridos que são muito bem capturados e explorados pela cinematografia de Tristan Oliver, profissional já experiente com animações em stop-motion, já tendo trabalhado várias vezes na franquia “Wallace & Grommit”. A montagem do filme também é excelente, com o ritmo sempre agitado do filme jamais atrapalhando os momentos mais intimistas da produção.

Além disso, Anderson utiliza um estilo de filmagem que nos remete a outros filmes e até a outras mídias. Enquanto várias cenas nos lembram de games em side-scroll (como “Super Mario World”), alguns momentos do filme parecem inspirados em jogos de tiro em primeira pessoa (como a cena do beagle raivoso perseguindo o Sr. Raposo), enquanto outros prestam homenagens a gêneros cinematográficos como o western (vide o confronto final entre Raposo e Bean).

Outro link entre essa animação e os demais filmes de Anderson é a presença, dentre os dubladores, de atores que já se tornaram figuras carimbadas nas obras do cineasta. Jason Schwartzman, em especial, está ótimo como o neurótico Ash. Por sua vez, Bill Murray, como sempre, empresta um tom de ironia ao Texugo. Owen Wilson também faz uma ponta como um dos professores de Ash e Kristofferson.

Meryl Streep, que ainda não havia trabalhado com o diretor, dubla Felicity com graça e doçuras únicas. Mas o destaque dentre as vozes é George Clooney que está, sem trocadilhos, fantástico como o Sr. Raposo, emprestando ao personagem todo o seu charme e malandragem, sendo hilário acompanhá-lo nessa jornada de auto-descoberta.

Vale ressaltar que esta realmente não é uma animação voltada para crianças pequenas, tendo em vista os temas adultos com os quais o filme lida. De qualquer modo, Wes Anderson fez um trabalho magnífico com a história de Dahl, sendo esta animação simplesmente imperdível.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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