O longa combina a dinâmica do cinema atual com o charme do cinema clássico. Um feito à parte na filmografia de Martin Scorsese, este talvez seja seu melhor trabalho em muitos anos.
É extremamente gratificante ver um diretor consagrado como Scorsese aventurando-se em outros gêneros. Habitualmente trabalhando o universo gângster e o gênero policial, agora o diretor investe em um suspense psicológico hitchcockiano incrementado com o estilo noir de Roman Polanski.
O filme narra a história de Teddy Daniels (Leonardo DiCaprio), ex-soldado da Segunda Guerra Mundial que, agora na posição de detetive, investiga o suspeito desaparecimento de uma paciente internada na ilha Shutter, um rigoroso local de tratamento para delinquentes loucos. Com a ajuda de seu parceiro Chuck Aule (Mark Ruffalo), ele vai até essa ilha para apurar o que aconteceu. O problema é que possivelmente ele nunca consiga mais sair de lá.
O roteiro não é inovador, mas consegue desenvolver sua história de maneira complexa. Apesar do formato habitual dos filmes de suspense, ele acerta ao confundir o espectador sobre a veracidade daquilo exposto em tela, com elementos obscuros, inserção aleatória de personagens, flashbacks e tudo que possa trazer a confusão mental do espectador, que é obrigado a raciocinar juntamente com o personagem principal.
Aqui há espaço para discussões acerca do papel da bomba atômica na sociedade, da violência genuína do homem e da repulsão à implementação do artifício televisivo no século passado. A perspectiva da loucura é questionada de forma inteligente, bem como a natureza humana. Diálogos repletos de alusões, esquizofrenia e a quebra parcial da obviedade dão um bom tom ao filme.
É interessante citar o quanto a parceria de Scorsese com DiCaprio é ideal. Trabalhando anteriormente em “O Aviador”, “Gangues de Nova Iorque” e “Os Infiltrados”, o êxito é obtido novamente aqui, com o adendo da evolução constante de DiCaprio como ator. DiCaprio não mais precisa viver à sombra do seu papel em “Titanic”, até porque ao vê-lo em seus últimos filmes, talvez poucos lembrem da versão pop do ator.
Desde “O Aviador”, a atuação do rapaz chama atenção, que talvez alcançou sua melhor forma em “Foi Apenas um Sonho”, de Sam Mendes. Aqui, novamente ele sabe lidar com as nuances da personagem, transmitindo constante tensão, com explosões emocionais e confusão mental. Mark Ruffalo, que contracena boa parte do filme com ele, também demonstra-se correto em seu personagem, que também admite diferentes camadas durante a trama.
Podemos citar o papel imponente de Ben Kingsley – novamente competente – e ambas as versões de Rachel vividas por Emily Mortimer e Patrícia Clarkson, que representam com precisão o desequilíbrio de sua personagem. Vale lembrar de Jack Earle Haley, com mais um personagem repulsivo. E no quadro geral, o elenco representa grande parte do sucesso do filme, posto que todos aqueles em tela apresentam sincronia e competência.
E eis o ponto máximo do filme: Martin Scorsese. É absurdo o talento que o diretor tem para trabalhar a técnica do seu filme. Seja pela maneira com que ele apresenta a famigerada ilha, pelos planos fechados nos rostos dos atores, pelas referências aos clássicos do cinema, pelos enquadramentos belíssimos ou pelo constante clima de tensão, Scorsese nos lança em um corredor obscuro – imagem que ele utiliza constantemente aqui – e consegue segurar seu filme durante o período da projeção, que, curiosamente, aparenta ser maior que o previsto.
O apuro cinematográfico do diretor dialoga brilhantemente com a técnica do filme, que é belíssima. A fotografia é carregada de um tom cinza, que se faz destacar o fraco azul do céu ou o vermelho-sangue gritante, onde evidencia-se a violência de determinadas imagens. E essa técnica complementa mensagens subliminares do filme, onde em certa cena, por exemplo, vemos DiCaprio sendo sobreposto pela fumaça do cigarro, ou no momento em que ele acende vários fósforos para tentar enxergar o que está acontecendo, detalhes que são utilizados para reafirmar o estado de desorientação mental de seu personagem.
A parte sonora do filme é outro grande destaque. Seja pela trilha carregada de suspense que é utilizada para nos guiar diante do desconhecido ou pela comedida edição de som que sobrepõe milimetricamente os elementos sonoros em cena, a sonorização é um personagem da trama, responsável por manter constante a atenção do espectador, além de exaltar aquilo que se vê em tela.
“Ilha do Medo” é uma experiência altamente recomendável. O único defeito do filme é aparentar ter maior duração do que de fato ele tem, mas todos os itens citados anteriormente conseguem sobrepor esse problema. O longa representa cinema de um gênio mais experiente, mais prático e mais corajoso. Fica evidente que Scorsese é, acima de tudo, um admirador do cinema; e consequentemente o cinema também nutre uma admiração genuína por ele. E não somente o cinema, certamente.