Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 06 de março de 2010

O Amor Acontece

Quando o cinema se transforma em um manual previsível de bom comportamento, força de vontade e adequação moral.

Texto simples, exemplos banais, recomendações óbvias, apelo emocional e um pouco de divulgação na mídia: junte tudo e consiga um público fiel, com lágrimas que saltam aos olhos e promessas de “agora vou mudar”. A receita para um livro de auto-ajuda de sucesso foi copiada, indiscriminadamente, pelo diretor estreante Brandon Camp em seu “O Amor Acontece”, o exemplo mais claro da face apaziguadora e conselheira do cinema.

Burke Ryan (Aaron Eckhart) é um escritor viúvo, guru da auto-ajuda, que viaja pelos Estados Unidos autografando sua obra e ministrando workshops sobre como superar a perda de entes queridos. Burke está no auge e é disputado por inúmeras grandes empresas que querem comercializar produtos com o seu nome. Ao conhecer a florista Eloise (Jennifer Aniston), percebe que não está tão seguro da sua recuperação e que nunca conseguiu processar a morte da esposa.

Se a intenção do roteirista era caricaturizar o mercado de auto-ajuda e tecer uma crítica sutil à fragilidade dos conselhos e recomendações que transbordam de tais obras, sua falha foi sofrível. O filme inteiro funciona como um grande manual para a felicidade e cada uma de suas sequências é pontuada por sugestões e exemplos polidos de superação, sempre amparados pelo politicamente correto.

“Politicamente correto”, aliás, é o adjetivo de ordem em “O Amor Acontece”. Os personagens são exemplos de integridade e retidão, as emoções são contidas, não há apelo sexual, nem vícios, nem ao menos um xingamento popular, e tudo conspira para a felicidade e bem estar geral. É um prontuário de auto-ajuda dentro de um filme de auto-ajuda que, para o público que não está tão desesperado por auxílio, soa enfadonho e desnecessário.

Burke e Eloise são confiantes e otimistas, típicos exemplos do bom cidadão americano que honraria qualquer família. A segurança de cada um deles, porém, é relativa e condicionada a dois fatores de seus empregos. Enquanto o escritor sobrevive amparado na busca pela felicidade de seu público leitor, a florista vive inserida dentro do mundo perfeito e inabalável dos cartões de amor que acompanham seus arranjos florais. A necessidade de outras vidas para sustentar os personagens seria um argumento interessante para embasar o filme, mas em “O Amor Acontece”, tais fatores são coadjuvantes.

Aaron Eckhart, com sua interpretação convincente, faz bem o papel do viúvo lançado ao sucesso. Sua atuação contida, já percebida em “Obrigado por Fumar”“Erin Brockovich, Uma Mulher de Talento”, não é suficiente para colocá-lo na lista dos grandes atores de sua geração, mas consegue posicioná-lo no confortável patamar de intérpretes não descartáveis.

O mesmo não pode ser dito de Jennifer Aniston, atriz especialista em comédias românticas e produções que tentam fugir, inutilmente, da classificação “água com açúcar”, caso de “O Amor Acontece”. Aniston não inova nunca e os recursos cênicos e interpretativos que usa são os mesmo que já havia usado em boa parte de seus filmes anteriores.

O que ainda surpreende e chama atenção em meio ao óbvio que permeia o filme é o trabalho realizado pela equipe de direção de arte e fotografia, aspectos geralmente colocados em segundo plano nas produções do gênero. Alguns enquadramentos e movimentos de câmera são interessantes e a equipe não se contentou em filmar de modo convencional. A trilha sonora se esforça para fugir do previsível, mas o tradicional rock de garagem e a irritante cena do casal assistindo ao concerto do seu grupo musical favorito estão presentes no filme.

“O Amor Acontece” se perde em meio à crítica que faz ao mercado da auto-ajuda e se torna mais um exemplar descartável do ramo, com suas lições de moral fajutas e conselhos do senso comum. Para quem não suporta tal vertente da literatura, vale avisar que sua transposição pra o cinema é triplamente irritante.

Jader Santana
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