Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 06 de março de 2010

Vírus

Este não é mais um filme de terror comum. Diferente de como foi vendido, este é, na verdade, um longa sobre os dilemas da sobrevivência com um mundo apocalíptico como pano de fundo.

Mais do que refletir sobre a qualidade da obra em si, assistir a “Vírus” suscita questionamentos sobre a importância da publicidade para o sucesso ou o fracasso de um filme. Como uma verdadeira indústria, o cinema precisa vender seu produto para os consumidores em potencial, destacando suas maiores virtudes e escondendo suas falhas. Hollywood, então, é craque nesse setor. Ninguém os supera quando o assunto é promover um longa-metragem. E estratégias para isso não faltam.

Ligar o filme a algum rosto conhecido do universo artístico (seja diretor, ator ou mesmo roteirista), divulgar peças publicitárias em diversos meios e, acima de tudo, fazer um bom trailer são apenas exemplos de como chamar o público para os cinemas. Entretanto, eventualmente, erros e surpresas (agradáveis e, principalmente, desagradáveis) acontecem. É o caso deste “Vírus”, que felizmente surpreende positivamente. Vendida como mais uma peça de suspense recheada de cenas de ação e inevitáveis sustos, a película vai além, afastando-se de generalizações limitadoras ao refletir sobre os dilemas da luta pela sobrevivência.

A trama é ambientada em um mundo tomado por uma pandemia avassaladora, ocasionada por um vírus desconhecido. A forma de contágio facilitou ainda mais a disseminação: basta tocar a pessoa contaminada para também se tornar um doente e ter os seus dias de vida contados. Milhares já morreram e outros tantos apenas esperam as horas passarem. Dentre os pouquíssimos sobreviventes, estão quatro jovens: os irmãos Danny (Lou Taylor Pucci) e Brian (Chris Pine); e as moças Bobby (Piper Perabo) e Kate (Emily Vancamp). Eles cruzam o sudoeste dos Estados Unidos em direção a uma praia isolada onde acreditam que ficarão seguros.

Durante o percurso de quatro dias, porém, eles enfrentarão situações que os farão rever seus conceitos morais. Uma pequena garota infectada e seu protetor pai são os primeiros a interferirem em seu caminho. Interesses mútuos os unem, mesmo que temporariamente, mas a doçura da menina traz consequências irreversíveis para o grupo. Guardando segredos entre si, eles continuarão a percorrer as fantasmagóricas cidades americanas até descobrirem que a verdadeira ameaça está dentro de suas cabeças.

“Vírus” passa longe de ser um filme comum de terror, que busca criar o maior número de sequências assustadoras possíveis. Aliás, classificá-lo com tal é um grande erro. Trata-se, na verdade, de um drama despretensioso com uma carga dramática limitada. Mas só por fugir de lugares comuns já vale o ingresso. Estamos diante de uma história que pretende retratar o dia-a-dia destes quatro jovens e os desafios psicológicos que terão de enfrentar para se manterem vivos. O amor e a amizade os uniram, mas o que fazer quando um deles é infectado? Ajudá-lo, abandoná-lo ou, mesmo, matá-lo?

A cena de abertura já revela um pouco da intenção do longa. Nela, dois meninos dividem as ondas de uma linda e isolada praia. Sabemos, pouco depois, que eles são os irmãos Danny e Brian e que aquele cenário exibido não foi mostrado por acaso. É para lá que eles estão fugindo, para o local mais mágico de sua infância e onde acreditam que estarão em paz, depois de perderem os próprios pais. A câmera lenta da cena citada já traz um pouco de emotividade a essa trama que parecia macabra, e a característica permanece durante toda a fita.

Escrito e dirigido pelos irmãos Alex e David Pastor, que não possuem nenhuma obra conhecida, o filme se inspira em situações reais para dá mote a sua trama. A gripe suína trouxe paranoia para o mundo, e o cinema, como um meio super atualizado, não poderia deixar passá-la despercebida. “Zumbilândia” tirou sarro com a temática, enquanto “Vírus” aposta em um  mundo tão destruído quanto, mas com menos risadas. Zumbis existem aqui. Contudo, eles não mudam o seu comportamento e morrem definitivamente com o avanço gradual da doença. O perigo maior é deixar-se levar pela compaixão, exibindo-se ao perigo da contaminação ou, então, ser o mais fraco na luta entre os “curados” pela sobrevivência.

Como não poderia ser diferente, os personagens passam longe dos estereótipos, mesmo que um deles quase se insira como tal. Danny é um garoto calmo e inteligente que dispensa armas e abusos para lidar com as ameaças de sua nova rotina. Brian é o seu oposto, e é exatamente ele o maior erro do filme. Seu comportamento inapropriado difere totalmente da proposta “anticomercial” da história, mesmo que o roteiro procure amenizar seus atos perto do desfecho da fita. Enquanto isso, Bobby é uma companheira comum para Danny, cujo relacionamento atravessa uma fase ora atribulada ora apaixonada. Já Kate é uma garota quieta e adorável, cuja personalidade se revela ao sempre procurar um telefone a cada nova localidade visitada pelo grupo.

Mesmo cheio de qualidades surpreendentes, “Vírus” está mais para um filme de ótimas intenções. Seus questionamentos não conseguem ser aprofundados e a densidade da trama deixa a desejar. A emotividade tem apenas lapsos de sua existência. Algumas cenas ousadas, que poderiam atingir um nível de reflexão maior, acabam não chocando tanto. Em uma delas, um chinês é morto por desconhecidos ao ser condenado justamente por ser chinês, já que eles são acusados de terem trazido a pandemia para os Estados Unidos. Em outra, um médico serve um líquido com potássio para crianças contaminadas com o propósito de diminuir o sofrimento delas.

Perturbadoras, essas sequências, entretanto, parecem não passar sua mensagem por completo. Uma direção mais segura poderia fazê-las mais eficientes, algo que acontece no final do filme, quando a sensibilidade finalmente se instala de forma convincente. Com um desfecho extremamente triste, o filme ganha mais alguns pontos e confirma sua condição de drama.

Contando também com atuações competentes de seu elenco, “Vírus” não é mais um filme qualquer de terror. É, na verdade, um longa que revela a fragilidade da condição humana e que questiona os valores morais de cada um quando a luta pela vida finalmente acontece. Então, se você está em busca de sustos e adrenalina, essa pode não ser sua melhor opção, mesmo que a publicidade da película tente convencer do contrário.

Darlano Didimo
@rapadura

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