Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 20 de fevereiro de 2010

Um Olhar do Paraíso

O diretor Peter Jackson realiza um filme etéreo, quase irreal, mas que é contundente e certeiro ao abordar uma tragédia.

Um Olhar do Paraíso“Cinema verdade? Prefiro o cinema-mentira. A mentira é sempre mais interessante do que a verdade”. A frase do cineasta italiano Federico Fellini é a justificativa e defesa maior para os filmes mais conhecidos do diretor Peter Jackson. Desde 2001, quando lançou o primeiro filme da trilogia “O Senhor dos Anéis”, Jackson deixou de lado a falta de qualidade e talento para produções de cunho mais realista e assumiu de vez sua inegável aptidão para a fantasia na Sétima Arte. Em “Um Olhar do Paraíso”,  o diretor demonstra sinais de maturidade e faz um filme que, se ainda transborda fantasia, é marcado por um realismo adulto que faria Fellini repensar a validade de sua afirmação.

Por meio da narração de Susie Salmon (Saoirse Ronan), somos apresentados ao núcleo de uma típica família americana que se encontra em gradativo processo de desestruturação após o surgimento de evidências que apontam para a morte da garota. Enquanto a mãe (Rachel Weisz) foge da realidade e busca refúgio no trabalho exaustivo em uma cidade distante, o pai (Mark Wahlberg) decide resolver todas as lacunas que tornam o caso insolúvel pela polícia local. Enquanto isso, Susie acompanha todos os passos dos familiares com a visão distorcida e simbólica de seu mundo paralelo, em um local perdido entra a Terra e o céu.

Baseado no best-seller “The Lovely Bones”, primeiro romance da escritora americana Alice Sebold, que vendeu mais de um milhão e 300 mil exemplares em dois meses, nos Estados Unidos, e esteve no topo dos títulos mais vendidos do The New York Times durante cinco meses, o filme se apóia no drama que envolve o assassinato brutal de uma garota de 14 anos. O olhar sensível que Jackson confere à trama, porém, não abre espaço para sentimentalismos baratos e exageros cênicos. Tudo em “Um Olhar do Paraíso” é bem dosado e qualquer elemento que pudesse soar de maneira pretensiosa foi deixado de lado.

A opção de excluir excessos tornaria o filme mórbido e insípido não fosse a habilidade do diretor em construir uma trama que se sustenta em dois extremos radicalmente opostos. O espectador é constantemente imerso no mundo perfeito de Susie, e nele tudo é de encher os olhos. Jackson parece buscar inspiração em sonhos infantis, onde nada precisa ter muita lógica e a consciência não é um fluxo a ser rigorosamente seguido. O clima surreal se espalha por toda a trama e faz tudo parecer um tanto ilusório, como se toda a narrativa estivesse envolvida por um invólucro translúcido.

O outro extremo aparece para romper a “bolha de conforto” da personagem e dos espectadores, e nos coloca de frente para o caso de assassinato que havíamos esquecido. Jackson também não perde a mão nas sequências realistas e faz uso de ângulos originais, movimentos de câmera inusitados e trilha sonora apropriada para fazer o público sentir um pouco da inquietação que permeia a trama.

Um pouco perdidos entre os dois pólos estão os atores Mark Wahlberg e Rachel Weisz, que parecem não encontrar o equilíbrio entre fantasia e realidade, e oferecem ao público interpretações simplórias, desprovidas de emoções e que não acompanham o dinamismo de sensações do filme.

A jovem Saoirse Ronan, do alto de seus 15 anos de idade, no papel de Susie, ao lado de Stanley Tucci, que concorre ao Oscar de ator coadjuvante por sua interpretação como o assassino da garota, e Susan Sarandon, no papel da avó, são os grandes destaques do elenco. Os três parecem imersos no propósito apresentado pelo diretor e se encaixam perfeitamente ao clima etéreo.

“Etéreo” é a palavra que melhor define o novo filme de Jackson. “Um Olhar no Paraíso” transmite a sensação de que nada tão elevado, puro e sublime foi apresentado antes pelo cinema. O que mais surpreende é que a fonte de inspiração e o eixo central para o desenvolvimento do filme e de suas fantasias seja um fato tão hediondo que, se fosse abordado por outra pessoa, de outra maneira, certamente tomaria ares grotescos.

Jader Santana
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