Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 20 de fevereiro de 2010

Idas e Vindas do Amor

Nem o elenco estelar salva o fracasso que é o filme.

A estrutura narrativa que “Idas e Vindas do Amor” se utiliza tem como verdadeiro precursor o diretor norte-americano Robert Altman que, por meio de obras-primas como “Nashville”, “Short Cuts – Cenas de Vida” e “Assassinato em Gosford Park”, contava várias histórias ao mesmo tempo, sempre com a intenção de retratar alguma crítica social. Em suma, a realidade americana era seu alvo. As coincidências e a ligação entre os inúmeros personagens aconteciam, mas tudo de uma maneira bastante discreta.

Em 2003, com “Simplesmente Amor”, o diretor Richard Curtis soube como popularizar a fórmula e deixá-la deliciosa para um público ainda mais vasto. A partir de então, a ideia entrou em declínio. O problema é que Hollywood quis se apossar dela, rendendo outras duas comédias românticas, ambas de gosto duvidoso. Em “Ele Não Está Tão a Fim de Você”, acompanhamos uma espécie de desfile de astros com uma trama desinteressante e extremamente previsível como pano de fundo. Eis, então, que surge “Idas e Vindas do Amor”, que volta a montar a passarela para os atores, esquecendo, mais uma vez, do essencial para realizar um bom filme.

Toda a trama do longa se passa em único dia e uma única cidade. Los Angeles se transforma para o que parece ser a data mais importante do ano: o Dia dos Namorados. Até mesmo um célebre radialista local modifica os horários de suas participações no ar para comemorar este romântico dia. Todos parecem ter sido atingidos pelo clima de romance, desde crianças até os mais velhos, sem determinação de credo ou escolha sexual. Durante 24 horas, acompanhamos o desenvolvimento de cerca de 10 histórias de amor, nos mais diferentes estágios, que se entrecruzam por algum motivo distinto.

O florista Reed Bennet (Ashton Kutcher) parece ser o personagem central dessa miscelânea romântica. Absolutamente apaixonado, ele logo inicia a manhã com um pedido de casamento para a namorada Morley (Jessica Alba). Um “sim” como resposta irá levá-lo ao trabalho com um enorme sorriso e nos introduzirá a outras histórias como a dele. A amiga (Jennifer Garner) que não sabe que namora com um homem casado, a moça (Jessica Biel) que não dá a mínima para o Dia dos Namorados, a atendente de disque-sexo (Anne Hathaway) que acaba se apaixonando e um casal que se conhece durante uma longa viagem aérea são apenas alguns dos enlaces confusos e essencialmente cômicos desta película.

Roteirizado por Katherine Fugate, que não possui nenhum trabalho relevante na carreira, o filme fracassa em todas as suas intenções. Os núcleos são tantos e tão mal explorados que é quase impossível conseguir identificação com algum deles. A previsibilidade também segue o roteiro de Fugate e, somente quando ela tenta ousar, é que alguma reação adversa ou favorável acontece por parte do público. Buscando resoluções e desenvolvimentos clichês, “Idas e Vindas do Amor” dá uma incrível sensação de dejá-vu e nos faz questionar sobre os motivos de ter sido produzido.

Outras insistências da roteirista também são bastante incômodas. Chega a ser irritante o quanto a data afeta cada personagem do filme. Eles não falam de outro assunto a não ser a data comemorativa, as intenções para o dia e o futuro afetivo de cada um deles. Irrita a enorme quantidade de vezes em que é citado que “hoje é o dia dos namorados”, como se o título do filme em inglês e a introdução do longa já não tivessem deixado claro. Como se não bastassem os lugares-comuns do roteiro, Fugate ainda faz questão de ligar todas as tramas, transformando o filme em um joguinho de adivinhação em que o objetivo é descobrir qual a relação entre cada personagem.

Dirigida por Gary Marshall (“O Diário da Princesa” e “Uma Linda Mulher”), a película opta pelo tom mais brincalhão, diferenciado-se da seriedade de “Simplesmente Amor” e, por isso mesmo, perde boa parte do fascínio que a fórmula costuma ter. O trabalho de Marshall é tão frágil que a sensação de verossimilhança nunca chega. Com um ritmo lento, o filme dispensa uma possível edição mais esperta, seja na introdução de cada núcleo ou durante atos semelhantes que possam relacioná-los. As duas horas de duração são um exagero e também um sinal de que o propósito aqui é conquistar o público pelos rostos que possui, já que algumas histórias poderiam facilmente ter sido retiradas no corte final do longa.

O elenco reflete o talento que a nova geração de Hollywood passa longe de ter. A melhor performance pertence à bela e encantadora Jennifer Garner que, ao descobrir que está sendo enganada pelo namorado, protagoniza uma das cenas mais engraçadas de todo o filme. É uma pena que o roteiro conceda a ela um desfecho clichê e demasiadamente açucarado. Garner divide a atenção com Ashton Kutcher, que está mais uma vez péssimo. O ator volta a interpretar o mesmo personagem desajeitado de “Recém Casados” e “Jogo de Amor em Las Vegas”, dificultando uma identificação com o florista que leva um “pé-na-bunda” da recém-noiva.

Anne Hathaway até que tenta fazer alguma graça, mas a trama que tem que protagonizar é tão vergonhosa que nos faz questionar se a escolha por atuar em “O Casamento de Rachel” foi pura sorte. Contracenando com ela está o sempre “insosso” Topher Grace. E se Jessica Biel até nos faz rir, o mesmo não se pode dizer da dupla de Taylors. Lautner e Swift interpretam um casal de namorados pretensamente cômico que se rende aos desejos da adolescência. No entanto, a história é tão mal contada que a impressão é de que tentaram incluí-la durante as filmagens da fita, aproveitando-se da fama momentânea dos dois.

Entre tantos atores jovens, são os mais velhos e experientes que se destacam. Shirley MacLaine e Hector Elizondo são um casal de avós casados há décadas que tem um grande segredo entre eles. A química entre os dois acontece e uma ótima sequência é o fechamento perfeito para essa trama encantadora. Já Julia Roberts divide com Bradley Cooper a história mais original. Durante uma viagem de avião de 14 horas, a capitã do exército americano conhece o misterioso e simpático Holden, e os dois tem uma ligação instantânea, mas de amizade. Fugindo da limitação do tema do filme, o núcleo logo se destaca e deixa evidente o quão pouco originais as outras idéias são.

“Idas e Vindas do Amor” traz ainda Jamie Foxx, Kathy Bates, Patrick Dempsey, Queen Latifah e George Lopez no que se constitui em um verdadeiro desperdício de talento. Desgastando a fórmula altmaniana, o filme é mais uma comédia romântica sem um pingo de graça (nem mesmo a trilha sonora é agradável). O sucesso de bilheteria, porém, já teria garantido uma continuação. Que lástima!

Darlano Didimo
@rapadura

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