Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Guerra ao Terror

Filme traça uma crônica original do cotidiano de uma pequena equipe anti-bombas na guerra do Iraque, centrando-se no indivíduo, em detrimento do contexto político.

Se não fossem as recentes aclamações por parte da crítica especializada e das grandes premiações do cinema (o Oscar inclusive), “Guerra ao Terror” (The Hurt Locker, 2008) teria passado batido pelo grande público. O filme da americana Kathryn Bigelow,  assim como o “Redacted” (2007) de Brian De Palma, que também vê com uma perspectiva crítica a guerra no Iraque, foram bem mais negligenciados pelos exibidores e distribuidores brasileiros do que era de se esperar pelo seu impacto. Felizmente, os louros que “Guerra ao Terror” continua recebendo no exterior surtiram efeito aqui, e o filme estreou (tardiamente) em algumas salas do país.

Felizmente também, porque Kathryn Bigelow é uma das poucas cineastas a tratar frontalmente da participação americana nos conflitos no Oriente Médio. Com pouquíssimos personagens, seu filme joga com a tensão em suspenso, ao seguir as empreitadas de uma unidade de desarmadores de bombas no Iraque. Eles são apenas três soldados, e quando o chefe da missão morre, os dois desarmadores restantes ficam perturbados com o seu sucessor, Sargento James (Jeremy Renner), um tipo que não parece ter medo de nada e não hesita em violar os procedimentos habituais ou a driblar as hierarquias para gerenciar as situações de risco de acordo com seus próprios instintos.

Reverenciando o que talvez seja o assunto preferido na sua trajetória cinematográfica, o próprio homem, a diretora constrói uma guerra muito mais ativada pela adrenalina do que pela testosterona. Esse não é o típico filme de ação e combate. O homem aqui não é o guerreiro másculo, um herói ou vilão romantizado, mas algo bem mais próximo do sujeito moderno, visto de perto.

“Guerra ao Terror” se desenrola em uma sucessão de operações anti-bomba cuidadosamente orquestradas para manterem a tensão do espectador sempre em pico. Estamos em um Western, o homem face ao explosivo, uma imagem que se repete ao longo do filme. E ao invés de se lançar nos grandes discursos sobre a guerra no Iraque ou a política Bush, Bigelow prefere se concentrar nesse aspecto particular, bem menos desgastado, do conflito, que é o trabalho cotidiano dos soldados, nesse caso, dos desarmadores. A narrativa se abre, então, para as circunstâncias precisas e minuciosas da vida desses homens no campo de batalha: seu medo, sua espera, sua técnica, suas distrações banais.

A diretora percorre o que é detalhe e concreto na rotina dos personagens. O indivíduo é o centro e é ele que motiva a ação coletiva. Esse é um caminho que vai na contramão da maior parte dos filmes sobre a situação dos americanos no Iraque. Normalmente a guerra é vista mais de longe, em um contexto mais geral, e não encarada tão de frente. O lado político, normalmente, prevalece sobre o individual. No entanto, os movimentos das altas esferas políticas são notavelmente ignorados em “Guerra ao Terror”, cuja principal preocupação parece ser construir uma crônica densa do dia-a-dia de uma pequena equipe de soldados americanos.

Assumindo trejeitos de documentário, a câmera é como um membro da equipe. Em sintonia com a causa dos desarmadores, ela adota o seu ponto de vista, vigia nervosamente sobre os seus ombros durante as operações, filmando seus rostos de perto para captar o menor sinal de perigo. O realismo da câmera na mão é, de certa forma, uma recusa da estética ligada ao gênero e o estilo de repórter de guerra divide com os personagens, e com o público, os momentos de tensão, nos quais o tempo se dilata nos longos minutos que precedem a ação.

A natureza indecisa da linha de frente é também muito bem pensada. Que seja na zona urbana ou no deserto, é difícil ver com precisão onde estão os americanos e onde está o inimigo. A posição que Bigelow dá aos iraquianos parece justa e honesta: eles não são invisíveis, existem no filme, mas a cineasta não tenta nunca se colocar no lugar deles, evitando cair em um ponto de vista que poderia parecer fácil, paternalista. As diferentes figuras de iraquianos que aparecem desenham o mosaico de um povo ocupado, que a cineasta mostra sem julgar.

Da mesma forma, ela também não julga o Sargento James quando entrega a ele a maior problemática do filme, “A guerra é uma droga”. Essa é a síntese e a conclusão da crônica de Bigelow, e é com essa frase que ela começa sua obra. Se a guerra é uma droga, James é um inegável viciado. A diretora despe o conflito do seu contexto maior, para mostrar um soldado tão habituado ao seu cotidiano de desarmador de bombas, que se tornou dependente dele.

Como um workaholic, o Sargento não vê sentido na sua vida se não estiver  trabalhando, sempre em contato com uma explosão eminente, não só por causa da necessidade de adrenalina, mas porque é isso que ele sabe fazer bem. Assim, a guerra deixa de ser um dever para virar uma rotina confortável, de certa maneira até um pouco banal, e não uma interminável luta pontuada de heroísmos e demagogia. Sem condenar ou exaltar o conflito, a crítica que o filme coloca não recai sobre o personagem, e sim sobre o próprio homem moderno e sua necessidade de achar escapismos.

M. Martinez
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