Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 06 de abril de 2010

Lunar: o filme é um suspiro de originalidade e de independência

Primeiro longa de Duncan Jones é uma ficção científica madura como há muito não se via.

Em época de “Avatar” e “Distrito 9”, é normal que ficções científicas de temáticas mais adultas sejam ignoradas pelo grande público e pelas distribuidoras, que se negam a levá-las aos cinemas. Anormal é que conceitos de filmes que relembram clássicos como “2001: Uma Odisséia no Espaço”, “Blade Runner” e “Alien: O Oitavo Passageiro” ainda consigam diretores visionários e competentes para realizá-los, como é o caso deste “Lunar”. Assinado pelo estreante cineasta Ducan Jones, o longa é nada menos do que o melhor exemplar em tempos deste gênero tão apaixonante da arte cinematográfica. Metafórico e filosófico, como todas as boas ficções científicas devem ser, “Lunar” é a prova de que Stanley Kubrick e o antigo Ridley Scott ainda servem como inspirações para jovens diretores e roteiristas.

A história da película se passa num futuro distante, em que a Terra enfrenta sérios problemas de abastecimento de energia. Tentando consertar esse entrave, a companhia Lunar Industries descobriu, há alguns anos, uma nova fonte, que é retirada da parte escura do solo da Lua. Como único morador da estação de captação de energia está Sam Bell (Sam Rockwell), prestes a cumprir seus três anos de contrato com a empresa. Com rostinhos desenhados na parede do quarto, ele conta os dias para voltar para casa e rever a esposa e a filha, de quem recebe eventualmente mensagens em vídeo.

Sua única companhia nos paranóicos espaços brancos que habita é o computador Gerty (dublado por Kevin Spacey), que expressa sentimentos apenas através de “smiles” (aqueles de MSN mesmo). Quando não, são as plantas que recebem nomes e “conversam” com o solitário Sam. Cansado, ele começa a ter pequenos delírios, que parecem se acentuar depois que um conserto precisa ser feito na parte externa da estação. Um pequeno acidente, então, leva a uma descoberta perturbadora que mudará o destino do jovem astronauta.

Orçado em meros U$ 5 milhões, “Lunar” dispensa os desenvolvimentos comuns, personagens rasos e desfechos previsíveis das últimas ficções científicas lançadas nos cinemas. A sua originalidade está em cada nova cena filmada por Ducan Jones, roteirizada por Nathan Parker e atuada por Sam Rockwell. Outros filmes do gênero podem até ser lembrados e homenageados durante o longa, mas suas intenções e reflexões são únicas, relacionando-se inteiramente com temáticas atuais ligadas a condição humana e tudo que nos rodeia. No entanto, ao mesmo tempo que discute situações correntes, a película possui uma linguagem que certamente lhe fará sobreviver na mente dos verdadeiros fãs de ficção durante anos.

Algumas pessoas relacionarão imediatamente o filme com uma das obras principais de Kubrick. E semelhanças não faltam para isso. O ritmo cadenciado é o mesmo, os cenários paranóicos não destoam e o silêncio se faz sempre presente. Entretanto, é através de um personagem que o público identificará uma clara inspiração em “2001”. Gerty é uma espécie de cópia do computador HAL 9000 do longa de 1968. Os dois possuem as mesmas funções e até o mesmo jeito de falar, mas destoam quando o assunto é caráter, e essa é uma das principais “sacadas” do roteiro de Nathan Park.

Também na condição de estreante no mundo cinematográfico, Park vai além com suas ideias brilhantes. Engana-nos primeiramente, para depois apresentar a sua verdadeira e agradável intenção com essa história. É que “Lunar” dá a clara impressão de ser uma película de caráter exclusivamente psicológico, de que tudo não passa de um devaneio de seu protagonista. Porém, já aos trinta minutos de duração, identificamos que os fatos são verdadeiros e que o desencadear dessa trama futurista terá um desfecho absolutamente imprevisível. Entre encontros reveladores e descobertas perturbadoras, o filme questiona os limites da tecnologia e a insensibilidade do ser humano.

Para uma trama tão pretensiosa e que se passa inteiramente em solo lunar, um comandante e uma equipe técnica competentes eram necessários. E Duncan Jones, que possuía como única referência ser filho de David Bowie, não decepciona. Seguro, ele desenvolve cada sequencia com um cuidado técnico irrepreensível, dispensando tomadas super originais, mas carregando na tensão da história. Mesmo com poucas cenas e um ritmo mais lento, impressiona como o longa é envolvente, transformando uma hora e meia num tempo que passa longe de ser um desperdício.

Contribuindo para a proposta de Jones, está também o compositor Clint Mansell, acrescentando mais uma excelente e marcante trilha sonora original para o seu currículo. Assim como no memorável trabalho que realizou em “Réquiem para um Sonho”, Mansell cria um tema único, que procura explorar durante todo o longa sem nunca parecer enjoativo. Pelo contrário, a trilha de “Lunar” cresce a cada instante, atingindo seu auge na cena em que Sam faz uma ligação para alguém que achava conhecer melhor. Em termos técnicos, deve-se destacar ainda o notável trabalho da equipe de efeitos especiais, que recria com perfeição a superfície lunar, mesmo com o orçamento apertado, e a linda fotografia de Gary Shaw.

Sam Rockwell é outra peça fundamental para o sucesso de “Lunar”. Interpretando vários personagens, ele sabe como diferenciá-los por meio de trejeitos e modos de falar. A personalidade excêntrica de Sam Bell casa perfeitamente com o estilo de atuações já desempenhadas pelo ator anteriormente, com destaque para a de “Confissões de uma Mente Perigosa”. Dispensando possíveis exageros e investindo na profundidade questionável de Bell, Rockwell realiza uma das melhores performances de sua carreira.

Optando por caminhos mais arriscados, mas igualmente recompensadores e respeitadores, “Lunar” dispensa defesas ambientais clichês ou invasões alienígenas, mesmo que de caráter inverso. Feito para um público seleto, o filme é um suspiro de originalidade e de independência para os fãs e realizadores de ficções científicas. É ainda um início promissor de um diretor e um roteirista que merecem ser observados nos próximos anos. Devido a suas escolhas, é normal que, em época de premiações, tenha sido lembrado apenas pela Academia de Cinema Britânico, nos Bafta, com duas indicações, incluindo melhor filme nacional.

Darlano Didimo
@rapadura

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