Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 13 de março de 2010

Nova York, Eu Te Amo

Novo capítulo da franquia iniciada por “Paris, Eu Te Amo”, esta fita é uma bela declaração de amor coletiva à Grande Maçã, fugindo um pouco dos clichês e apostando na diversidade cultural – e sentimental – dos habitantes de Nova York.

Nova York, Eu Te AmoÉ engraçado como as pessoas enxergam a cidade de Nova York de maneira romântica. A despeito das tragédias que lá ocorreram e da criminalidade, nada abala a visão mundial que temos de lá como a capital cultural do mundo, o lugar mais cosmopolita do planeta, onde todo o caldeirão de culturas se encontra, algo consolidado pelo retrato feito de lá por um sem número de romancistas, diretores, artistas e músicos.

Paradoxalmente à multidão que lá vive, tem-se aquele sentimento melancólico de solidão que acompanha as grandes metrópoles, algo que dá um quê de romantismo àquele lugar. Com todas essas contradições sentimentais e culturais que convivem em harmonia em NY, nada mais natural que a continuação da franquia iniciada com “Paris, Eu Te Amo” se passasse por lá, com o título mais do que óbvio de “Nova York, Eu Te Amo”.

Assim como sua irmã francesa, esta película é comandada por diversos diretores que buscam dar sua visão pessoal de Nova York por meio de histórias curtas sobre o amor que, geralmente, focam uma parte específica da cidade. No entanto, nada de um mundo cor-de-rosa para os nova-iorquinos. A maioria das tramas tenta ser o mais pé-no-chão o possível (com raras exceções), pouco disfarçando aquele famoso mau-humor que os habitantes locais possuem, até porque isso faz parte do charme de lá.

No entanto, “Nova York, Eu Te Amo” se diferencia de sua contraparte parisiense na montagem da fita, com as histórias sendo mais integradas entre si e ocorrendo pequenos encontros entre os personagens, lembrando, na medida do possível, o formato de narrativa adotado por Frank Miller e Robert Rodriguez em “Sin City – A Cidade do Pecado”. Isso faz o público crer que cada trama se passa dentro do mesmo universo, ao passo em que “Paris, Eu Te Amo” adotava uma estrutura dividida em capítulos, com virtualmente nenhuma interação entre os personagens de diferentes histórias.

Em dez histórias e algumas transições entre elas, os cineastas e escritores envolvidos nos apresentam a uma bela gama de pessoas e situações, com alguns atores – e autores – surpreendendo na execução de seus trabalhos. Intérpretes como os insípidos Hayden Christensen e Orlando Bloom surgem tremendamente inspirados em seus papéis, em seguimentos diferentes.

Dirigido por Jiang Wen, Christensen vive um jovem larápio que disputa a afeição de uma jovem (Rachel Bilson) em um jogo de gato-e-rato com um professor universitário (Andy Garcia), no qual todos têm um pouco de ladrão dentro de si. Já Bloom surge como um como um compositor de trilhas sonoras às turras com o diretor da animação na qual está trabalhando, engatando um flerte com a jovem que faz a ligação entre ele e seu chefe, sentindo uma ligação com esta mesmo só a conhecendo por telefone.

Quem também surpreende é o irregular cineasta Brett Ratner, que entrega o curta mais divertido da fita, onde um jovem (Anton Yelchin), após ser largado pela namorada a poucos dias do baile de formatura, aceita a proposta do seu farmacêutico em levar a filha deste (Olivia Thrilby) ao evento, mal sabendo que há uma ou duas surpresas na garota. Quem também sofre um pouco disso ao tentar conquistar alguém do sexo oposto é o escritor interpretado por Ethan Hawke que, ao acender o cigarro de uma bela mulher (Maggie Q), acaba sendo surpreendido (juntamente do público) por esta.

A fita também marca a estreia no roteiro e na direção de Natalie Portman. A bela nos apresenta a um dia na vida de um amoroso pai divorciado, de origem latina (Cesar De León), que, ao passear com sua filha (Taylor Geare)  em um parque, se vê vitima de um leve, mas poderoso, preconceito. Além de um texto bastante sensível, Portman se mostra uma tremenda diretora de atores, com uma trama impulsionada pela química entre Geare e De León, com destaque para este último.

Portman ainda atua na trama dirigida por Mira Nair, na qual encarna uma comerciante judia que, após uma negociação com um colega hindu (Irrfan Khan), começa a experimentar junto a ele uma relação de afeto que transpõe barreiras religiosas e culturais. Um belo tratado sobe o medo de se ferir que assola os relacionamentos modernos é o segmento estrelado por Bradley Cooper e Drea de Matteo. Brilhantemente filmado por Allan Hughes, a história nos mostra os dois em seus caminhos separados para um encontro, após uma noite tórrida juntos.

Já os veteranos Eli Wallach e Cloris Leachman, dirigidos por Joshua Marston, nos apresentam a um idoso casal que, em meio a divertidas picuinhas, nos mostram como o amor pode perdurar em qualquer lugar, mesmo em um rodeado por skatistas. E como foi bom ver Burt Young, o Paulie da série “Rocky” em uma pontinha no curta dirigido por Fatih Akin e estrelado pela beldade Shu Qi, que vive a musa do adoentado pintor interpretado por Ugur Yücel.

Existem dois grandes escorregões na fita, que são os curtas de Shekhar Kapur e o de Yvan Attal. O primeiro, roteirizado pelo já falecido Anthony Minghella, apresenta Julie Christie como uma cantora aposentada, hospedada em um hotel. A despeito dos maravilhosos trabalhos de interpretação feitos por Christie, John Hurt e Shia LaBeouf (este último simplesmente fantástico), a história e a própria câmera de Kapur assumem um caráter metafísico que em nada combinam com o projeto.

Por sua vez, o curta comandado por Yvan Attal é chato, jogando os talentosos Chris Cooper e Robin Wright-Penn em um joguinho de sedução marcado pelo clichê, com o qual o espectador se sentirá desconfortável assistindo, principalmente por conta da absurda obviedade da “revelação” no final.

Apesar desses dois escorregões, “Nova York, Eu Te Amo” é uma clara evolução de seu correspondente francês, do qual eu já havia gostado muito. Se a franquia continuar a crescer deste modo, será com prazer que receberei as próximas declarações de amor a serem feitas para outras metrópoles mundiais. Recomendado.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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