Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 24 de janeiro de 2010

Amor sem Escalas

Mostrando maturidade e bastante talento narrativo, Jason Reitman traz uma trama tocante e engraçada em seu trabalho mais complexo até o momento.

Que Jason Reitman é um cineasta talentoso, todos sabemos. Vindo de ótimos filmes como “Obrigado Por Fumar” e “Juno”, esse jovem diretor de apenas 32 anos já carrega nas costas o peso de ser um nome premiado no cenário hollywoodiano. Neste seu terceiro longa, “Amor sem Escalas”, Reitman aprofunda o tema do crescimento emocional, algo que se torna recorrente em sua curta, porém vigorosa, filmografia.

O filme é baseado no romance escrito por Walter Kim e adaptado pelo próprio Reitman ao lado de Sheldon Turner. Retornando ao cenário empresarial americano, que havia apresentado com sucesso em “Obrigado Por Fumar”, o realizador agora retrata esse mundo como um em ruínas graças à crise econômica.

As lojas varejistas estão em queda, a indústria automobilística pouco produzindo e o ramo imobiliário está na sarjeta. Nesse contexto, conhecemos Ryan Bingham (George Clooney), um profissional do desligamento, que trabalha para uma empresa que o “empresta” para outras para realizar o processo de demissão dos empregados, uma ação absolutamente brutal que ele tenta realizar com certa dignidade.

Esse emprego (função que, pelo que sei, é fictícia) o mantém viajando quase onze meses ao ano, algo perfeito para seu estilo de vida desapegado, tendo fidelidade apenas às companhias aéreas e clubes de cliente. Ele é uma figura praticamente inexistente à sua família e não tem relações relevantes em sua vida, carregando em sua vida apenas o que cabe em sua bagagem.

No entanto, seu chefe (Jason Bateman) anuncia que irá suspender as viagens de todos os empregados da companhia para implementar um sistema demissional via internet, algo proposto pela jovem executiva Natalie (Anna Kendrick). Após demonstrar que a garota não conhece muito da arte de demitir pessoas, fica decidido que Natalie acompanhará Ryan em suas jornadas por um tempo, para aprimorar seu novo sistema.

Assim, os dois acabam por formar uma relação de amizade, para surpresa de ambos. Ao mesmo tempo, a executiva Alex (Vera Farmiga), uma mulher que o protagonista encontra em suas andanças pelos EUA e que viaja quase tanto quanto ele, acaba conseguindo, aos poucos, ganhar um espaço no seu coração. Aos poucos, uma dinâmica de relacionamentos é criada entre Ryan e essas duas novas figuras em sua vida

É interessante que nada sobre Ryan é escancarado para o público, com Reitman e Clooney nos apresentando as nuances do personagem de maneira orgânica. Desde a explicação da ocupação de Ryan, passando pela exposição do estilo de vida do protagonista até a sua rotina atípica. Tudo isso é apresentado de uma maneira dinâmica, não só por meio de simples diálogos expositivos, mas também da própria direção de arte e do figurino prático do personagem.

George Clooney, aliás, dá um verdadeiro show como o demissor profissional. Em suas mãos, Bingham se torna um ser absolutamente complexo, não uma pessoa aborrecida como poderia ser caso o papel caísse para um ator menos capacitado. Veja o tom como ele fala da morte dos pais e avós, seu flerte com Alex quando os dois se conhecem e, principalmente, as cenas que mostram Ryan em ação no seu trabalho.

Bingham é uma pessoa que realiza o proverbial trabalho do encarregado em dar más notícias. No entanto, ele realmente acredita na importância do que faz, vide a defesa feita por ele frente ao seu chefe do seu modo de agir profissional. Nesse ponto, o filme faz uma crítica mordaz à coqueluche mundial em realizar ações brutais, sejam pessoais ou no trabalho, de maneira virtual. Assim, o filme realiza uma defesa muito forte do contato humano e dos relacionamentos presenciais, mas escorrega ao tentar forçar demais essa mensagem em alguns momentos do seu terceiro ato.

Mas se Clooney não tivesse companhia a sua altura em cena, seu desempenho seria irrelevante. Neste sentido, Anna Kendrick e Vera Farmiga não deixam a peteca cair. A jovem Kendrick, vinda de participações pequenas na franquia “Crepúsculo”, se mostra bastante capaz, com uma personagem que passa por um arco dramático bastante interessante, apresentando até mesmo um timing cômico surpreendente. Vera Farmiga, por sua vez, se mostra bastante segura como sua Alex, uma mulher forte que realmente consegue ser uma parceira para Ryan em sua filosofia de vida.

Farmiga e Kendrick possuem uma ótima química com Clooney, com uma das melhores cenas do filme vindo justamente de um momento de interação dos três em um aeroporto, gerando uma dinâmica quase familiar (pai, mãe e filha) para o trio. Em participações menores, vale destacar as aparições de Jason Bateman, mais contido que de costume como o chefe de Ryan e Natalie, e J.K. Simmons, que já se mostra como um dos atores favoritos de Jason Reitman, vivendo um dos empregados demitidos pelos personagens de Clooney e Kendrick.

É engraçado notar que, a despeito da crise econômica ser apenas o pano de fundo do filme, o longa faz um trabalho extremamente relevante ao mostrar como a vida nos EUA fora afetada por isso. Novamente destaco a competência da direção de arte do longa, que nos apresenta a escritórios acabados pela falência de empresas e avisos de execução de hipotecas em diversos pontos da fita, demonstrando realmente quão devastador fora o efeito deste desastre econômico no país mais rico do mundo.

Há uma cena em especial que ilustra a sensibilidade de Reitman ao lidar com o tema, quando nos mostra Natalie sentada em meio a um mar de cadeiras jogadas e emocionalmente acabada após “desligar” diversos empregados em uma empresa. Além disso, o cineasta se utiliza de diversas pessoas que realmente foram demitidas para contracenarem junto a Clooney e Kendrick, dando um tom mais realista (e triste) ao momento das demissões.

“Amor sem Escalas”  é o trabalho mais maduro deste jovem cineasta, não apenas comandando um filme com um roteiro complexo e com diversas camadas, mas também nos mostrando essa história com um apuro visual incrível como a abertura do longa e a rotina de viagem de Ryan. Particularmente, achei a sequência das mochilas lado a lado uma das coisas mais românticas que vi nos últimos tempos. O diretor ainda insere uma ótima trilha sonora, que encaixa muito bem não só com os momentos específicos, mas com os personagens e com a fita como um todo.

O longa é uma fusão perfeita entre roteiro e estilo que gera um filme tocante e poderoso, mas que consegue divertir seu público, com um humor bastante integrado à sua história. A despeito de alguns problemas em seu terceiro ato, a fita conta com uma conclusão nada convencional, coroando mais esta ótima produção de Jason Reitman, que prova que seus filmes anteriores não foram sorte de principiante. Recomendado.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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