Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 09 de janeiro de 2010

Sherlock Holmes

O diretor Guy Ritchie inova na adaptação para o cinema dos personagens da obra do britânico Conan Doyle e faz um filme divertido, que se tornou o maior êxito da sua carreira e arrecadou US$ 24,9 milhões no primeiro dia de sua exibição nos EUA.

Aqueles que esperavam por uma representação perfeita do tradicional detetive inglês imortalizado no final do século XIX pela literatura do escritor Arthur Conan Doyle em estórias mundialmente famosas, vão se assustar ao assistir ao novo blockbuster em cartaz nos cinemas brasileiros. “Sherlock Holmes”, do cineasta Guy Ritchie, rompeu com o convencionalismo que rondava o personagem, desconstruiu traços da sua personalidade e acabou criando um novo mito, com força suficiente para suplantar as características do original.

Em sua nova adaptação para o cinema, o detetive Holmes (Robert Downey Jr.) e seu inseparável parceiro Dr. Watson (Jude Law) tentam descortinar a trama macabra arquitetada por Blackwood (Mark Strong), um abastado aristocrata que se enveredou pelos caminhos da magia negra e quer assumir o controle do governo inglês. Desvendando mistérios insolúveis para a maioria dos humanos, Holmes mergulha em um episódio que envolve muito mais do que vilões insatisfeitos e rituais fúnebres, e percebe que algumas pistas e descobertas escondem outras verdades, bem diversas das originalmente apresentadas.

Para os fãs de filmes de investigação e para aqueles habituados aos infalíveis métodos dedutivos de Holmes, todo o processo de análise e averiguação dos fatos pelo detetive é minuciosamente apresentado. Por meio de narrações esporádicas e inseridas perfeitamente entre as sequências, o personagem guia o olhar do espectador para pistas imperceptíveis e constrói todo o fio lógico que conduz ao ápice da trama. É impossível não bancar o detetive e tentar estabelecer ligações entre os fatos, mesmo sabendo que enquanto somos apresentados a uma nova descoberta, a mente de Holmes já o conduziu até uma nova verdade.

A arrogância erudita e o orgulho irritante do personagem de Conan Doyle foram parcialmente deixados de lado e deram lugar ao infalível charme inglês. Holmes exala testosterona e, vez por outra, banca o Don Juan e investe na duvidosa Irene (Rachel McAdams). Seu bom humor vacilante também não foi deixado de lado, mas as piadas ácidas e incompreensíveis foram substituídas por brincadeiras mais populares.

Completando de forma pouco usual os traços de sua personalidade, mas não perdendo em momento algum o equilíbrio do personagem, Guy Ritchie criou um Sherlock Holmes que também é exímio lutador de artes marciais e aprimorou o detetive criado por Doyle, que se esforçava para realizar corretamente os movimentos em seus treinos de boxe, e que agora treina golpes certeiros em uma rinha de descamisados.

Seu vigor físico deve agradar o público que espera por sequências de luta e perseguições, e que não se contenta com o uso indiscriminado de racionalismos, lógicas e observações. Apesar da mudança, os socos e pontapés desferidos por Holmes são calculados e previamente planejados, assim como manda o convencionalismo detetivesco, e o que invalida qualquer crítica que aponte a produção como reduto de pancadaria injustificada.

Toda a parte técnica que envolve as cenas de luta e investigação é fabulosamente bem produzida, assim como os planos que acompanham a rotina de uma Londres embaçada e monocromática, que não deixam a trama cair no comum. Tudo foi planejado para garantir ao filme um ar teatral, quase circense, que ainda conta com uma direção de arte de encher os olhos e uma trilha sonora agradável.

Robert Downey Jr. cumpre bem o seu papel e garante naturalidade às variações na personalidade do detetive. Jude Law também está ótimo no papel de Dr. Watson, apesar de ter merecido mais destaque na trama, e foi responsável por notáveis mudanças nas características do médico, que agora também age como um Don Juan em potencial. Além dele, todo o elenco de coadjuvantes desempenha bem suas atribuições, com destaque para Rachel McAdams.

“Sherlock Holmes” não é uma obra prima, e provavelmente não quer ser tratada como tal. Sua eficácia está ao transpor da literatura para o cinema um personagem consagrado por suas características tão peculiares e indissociáveis, conseguindo operar mudanças de forma satisfatória, porém, é notável, e merece todo o nosso reconhecimento.

Jader Santana
@

Compartilhe

Saiba mais sobre