Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 26 de dezembro de 2009

Encontro de Casais

"Encontro de Casais" tem em seu maravilhoso elenco sua maior força, mas a falta de grandes situações verdadeiramente cômicas, o excesso de caricaturas e sua estrutura burocrática tiram qualquer potencial que está comédia poderia ter.

Todos os relacionamentos têm problemas. O casal que disser que nunca brigou ou discutiu, certamente está a mentir. Boa parte da graça em dividir sua vida com outro ser humano está justamente nos pequenos ajustes a serem feitos por cada um para se adequar à rotina do outro, os defeitos a serem tolerados e as virtudes a serem louvadas. Nesses ajustes reside um potencial cômico quase ilimitado, não sendo à toa que tantas comédias bebam dessa fonte. No entanto, nada disso é aproveitado em “Encontro de Casais”.

Escrito por Vince Vaughn e Jon Favreau (que também estrelam o filme) em colaboração com Dana Fox, o roteiro acompanha quatro casais em uma viagem a um paradisíaco resort tropical que, além de estação de férias, funciona também como um local para que os relacionamentos sejam “curados”. No entanto, o texto falha em criar personagens cujas relações realmente interessem ao público, sendo prejudicado mais ainda pelo fato de que alguns personagens parecem mais rabiscos cartunescos do que seres humanos.

Vaughn encarna o personagem principal do filme, Dave, um vendedor de videogames especializado na venda de Guitar Hero extremamente trabalhador e bom pai, mas com pouco tempo para se dedicar realmente à família, algo que acaba frustrando sua esposa, a encantadora Ronnie (Malin Akerman), com ambos vivendo basicamente na famigerada rotina familiar.

Os amigos do casal também não vão muito bem quando o assunto é romance. Joey (Favreau) e Lucy (Kristin Davis) se casaram quando esta última engravidou durante os dias de glória do namorado como jogador de futebol no colégio, com ambos cometendo diversas infidelidades e mal trocando duas palavras um com o outro. O robusto Shane (Faizon Love) se divorciou e está namorando Trudy (Cali Hawk), uma ninfeta de 20 anos cujo ritmo ele não consegue acompanhar. O tal retiro é uma ideia dos metódicos Jason (Jason Bateman) e Cynthia (Kristen Bell), cuja relação se desgastou após várias tentativas falhas de terem um filho.

Esses últimos vêem o local como a chance de seu casamento dar certo e propõem a viagem aos amigos, já que só conseguirão pagar as despesas se forem todos juntos aproveitando um pacote para grupos. Ao chegarem lá, os quatro casais acabam se confrontando com seus problemas, graças ao estranho programa do dono do estabelecimento, o monsieur Marcel (Jean Reno) e sua equipe de terapeutas e massagistas.

Não espere lá muita elegância nas situações de humor do filme, que apela para o riso de “vergonha alheia” ao invés de apostar mais no já potencial cômico dos relacionamentos. Além disso, o texto possui muitas falhas e falta de coesão, carregado por roteirismos. Citando alguns exemplos, logo no começo da história, Shane nos é apresentado pedindo a Joey ajuda para pagar uma moto, com este último repetindo que o amigo não teria condições de adimplir as parcelas. Logo depois, Shane paga as passagens dele e de Trudy para o resort.

O próprio comportamento dos personagens às vezes é um pouco sem sentido com o que fora estabelecido, com Jason sendo estabelecido como o certinho para, alguns momentos depois, invadir a casa de Joey e Ronnie e, logo após esse incidente, volta a ser um sujeito cumpridor de regras. A despeito de algumas situações mais engraçadinhas (ênfase no diminutivo), a maioria envolvendo Dave, Joey e o monsieur Marcel, o filme simplesmente desaba em seu terceiro ato, cujo clímax se resume a quatro discussões de relação seguidas, sem a menor graça, completadas com uma conclusão extremamente previsível.

O filme é basicamente levado nas costas pelo maravilhoso elenco que foi reunido para a empreitada, com destaque para o sempre ótimo Jean Reno como excêntrico guru do romance, além de Kristen Bell e Jason Bateman, ótimos nos papéis dos corretinhos Jason e Cynthia. O único elemento do cast que não funciona bem é Cali Hawk, simplesmente irritante e sem graça no papel da ninfeta Trudy. Gostaria de ter visto mais de Kristin Davis, que acaba aparecendo pouco no papel da insatisfeita Lucy, mas devo dizer que a atriz está em ótima forma. E se essa é uma declaração machista, culpem o diretor Peter Billingsley que, vira e mexe, a coloca em poses insinuantes e em trajes sumários, mas esquece de desenvolver melhor a personagem da atriz.

Aliás, Billingsley, velho colaborador de Favreau, faz sua estreia como diretor aqui e a inexperiência é um tanto óbvia, vide a direção do filme extremamente contida, sem nenhuma inovação ou radicalismos. Aliás, deixo nota aqui de um merchandising tão descarado para os jogos da série Guitar Hero que deixaria Daniel Filho corado, com o game da Activision sendo parte importante do filme e até ganhando uma tosca montagem à la anos 1980.

Apesar de um ou dois momentos mais engraçadinhos, do carisma de seu elenco e das paradisíacas paisagens de Bora-Bora, “Encontro de Casais” é bem chato, desapontando aqueles que desejam umas boas gargalhadas e falhando em fazer jus à sua premissa.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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