Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 19 de dezembro de 2009

Coco Antes de Chanel

Mostrando como uma das mais importantes figuras femininas do século XX se fez, "Coco Antes de Chanel" escorrega em sua narrativa algumas vezes, mas é salvo pelo seu visual e pelo carisma e talento de Audrey Tautou.

Coco Antes de ChanelHá  uma frase que diz: “Não tente ser alguém grande. Só alguém. E deixe a história julgar”. Esse é exatamente o problema com certas cinebiografias, que martelam o tempo todo na nossa cabeça a quase-divindade dos biografados em detrimento de uma trama mais amarrada, privando o público da oportunidade de julgar – e, por vezes, apreciar – o que fez o protagonista ser digno de ter sua trajetória retratada nas telas.

“Coco Antes de Chanel” consegue escapar, durante grande parte de sua metragem, dessa armadilha, embora quando caia nela, cai de jeito. Não é necessário ouvir o discurso da ditatorial Miranda Priestly de Meryl Streep em “O Diabo Veste Prada” para entender a importância da indústria da moda, mas é necessário um pouco de contexto para perceber como Coco Chanel foi importante para a libertação feminina.

Seu estilo sóbrio livrou as mulheres de uma moda na qual imperava o extravagante, que fazia o ser feminino parecer algo estranho, frágil e incapaz de conviver em pé de igualdade com os homens. A inspiração para isso parece ter vindo da própria identidade daquela mulher, um espírito batalhador e independente. Vivida com convicção e brilhantismo por Audrey Tautou, Gabrielle Chanel foi criada com sua irmã Adrienne (Marie Gillain) em um orfanato, após a morte da mãe e o abandono por parte do pai.

Com ambas já adultas e morando em uma cidade francesa longe da capital, elas trabalham como costureiras pela manhã e cantam em um cabaré à noite, sempre sonhando em ganhar as ruas de Paris. Certo dia, o Barão com quem Adrienne tem um caso leva ao cabaré o seu rico amigo Balsan (Benoît Poelvoorde), que acaba se interessando por Gabrielle, a quem logo apelida Coco. Quando sua irmã parte para os arredores de Paris junto de seu Barão, Coco a segue, se hospedando na casa de Balsan.

A partir daí, ela começa a lutar para se integrar à frívola alta classe francesa, surpreendendo a todos por seu estilo único de pensar e de se vestir. No entanto, aquela mulher independente e que nunca pensava em se casar logo se vê apaixonada pelo empresário inglês Arthur “Boy” Capel (Alessandro Nivola), um dos parceiros de negócios de Balsan, que se vê surpreendido pelos ciúmes que passa a sentir por Coco.

Dirigido e roteirizado por Anne Fontaine, o longa é extremamente belo de se ver. Fontaine e o diretor de fotografia Christophe Beaucarne realizam um excelente trabalho de luz e sombras na produção, que ainda conta com um competente trabalho de câmera, com planos absolutamente belos. Os destaques vão para a sequência em que Coco está deitada à sombra de uma árvore e cercada por folhas, o “jogo” do escuro na casa de Balsan e a cena na qual Coco e Boy dançam uma valsa.

Além disso, a beleza plástica do filme é complementada por um figurino absolutamente belíssimo, que retrata os diversos ambientes sociais pela qual a protagonista passa de maneira fenomenal, enquanto a música de Alexandre Desplat consegue emocionar sem ser intrusiva. Mas beleza não põe mesa. A despeito de se sair muito bem nos aspectos técnicos, Fontaine falha em partes primordiais do roteiro, ao inserir diálogos pedantes como o de Boy para Coco que esta tem “um destino maior” e o exagero do diálogo no qual a protagonista afirma que não se casará.

Tais partes são exemplos do melodrama exacerbado em tentar santificar a personagem principal. Interessante notar que, enquanto a própria Coco se vê determinada em crescer por si só, os outros personagens, principalmente Boy, tentam transformá-la em um ser unidimensional. Ainda há outros problemas, como a falta de uma resolução para a subtrama do affair entre Adrienne e seu Barão, que deixa o público se perguntando se perdeu alguma coisa da história.

No entanto, existem acertos bastante contundentes para a trama, como o próprio arco narrativo de Coco, segurado a força por Audrey Tautou em um trabalho simplesmente fenomenal. A atriz simplesmente encarnou a biografada em um trabalho que não deixa nada a dever ao de Jamie Foxx em “Ray” ou ao de Marion Cotillard em “Piaf – Um Hino ao Amor”.  Desde a postura corporal, o modo de andar até as expressões faciais de Chanel, que se modificam ao passar de suas experiências, Tautou realiza uma interpretação soberba, eclipsando seus colegas.

Alessandro Nivola na pele de Boy está um tanto quanto canastrão, soando por alguns momentos mais como um personagem de novela mexicana, sendo salvo pelo brilhantismo de sua colega de cena. Benoît Poelvoorde como Balsan é o dono do melhor desempenho masculino em cena, com o seu personagem tendo o relacionamento mais complexo com Coco durante o longa. Foi um tremendo acerto do filme a não-vilanização de Balsan, embora algo nesse sentido tenha sido ensaiado em alguns momentos da película, logo este aspecto entra nos eixos.

“Coco Antes de Chanel” é um retrato decente de uma importantíssima figura feminina, prejudicado pelo excesso de adoração à sua protagonista em alguns momentos. No entanto, a força da biografada, o belíssimo trabalho da atriz que a interpreta e o estonteante visual do longa fazem valer a pena conferir esta fita nos cinemas. Recomendado.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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