Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 14 de novembro de 2009

2012

O mundo é reincidente alvo de destruição nos cinemas. É vasta a lista de produções que utilizam-se desse artifício para venderem seu conteúdo. "2012" é um dos melhores do estilo.

2012crSempre temos o mesmo enfoque em filmes catástrofes, fazendo dos EUA a capital do planeta e seus presidentes os grandes salvadores da pátria. E, é claro, é comum que Roland Emmerich esteja conduzindo esse projeto. “2012” carrega parte dessas características sim, mas o diferencial é que, depois de tantas produções do gênero, podemos dizer que finalmente achamos a obra definitiva sobre o mesmo.

Emmerich é especialista em destruição global. Ele estava lá em “Independence Day”, “Godzilla” e “O Dia Depois de Amanhã”, e não obteve total êxito em nenhum deles. Mas foi gritante a evolução que ele teve no desenvolvimento de cada um deles. E com “2012”, talvez Emmerich não consiga fazer o que um Steven Spielberg faria, mas é bem provavelmente que conquiste o ápice de sua competência como diretor do gênero.

É até compreensível que considerem que o máximo do diretor não passa de medíocre. Não há suficiente desenvolvimento dos personagens, há clichês de extremo mau gosto postos de propósito, além de ser um filme longo – mas não muito cansativo – que dá o máximo de si durante os primeiro e segundo atos, como em “O Dia Depois do Amanhã”, e que todo o resto é só uma consequência um tanto arrastada do que aconteceu. Mas o trunfo de verdade é como o diretor avança um degrau no patamar que ele mesmo criou. Ou seja: vemos o mesmo de sempre, mas bastante melhor.

O filme tem sua história baseada em uma crença Maia, que afirma que o planeta sofrerá graves disfunções climáticas no ano de 2012. Hipótese pouco conhecida, mas que é vastamente estudada por cientistas e geólogos, que começam a advertir com comprovações físicas da culminância dessas teorias. Com isso, temos várias histórias que se interligam na fuga desesperada do caos que o planeta se transforma. O grande plano é pôr uma parte da população em “naves” – plano semelhante ao de “Dr. Fantástico” de Stanley Kubrick ou “Wall-E” -, juntamente com animais, na intenção de propagar a raça humana, como na arca de Noé.

O truque para conseguir tirar proveito dessa experiência é justamente estar ciente das verdadeiras intenções do mesmo. A questão é: Emmerich ainda preza por usar seu tempo de projeção para focar nos dramas dos personagens rasos e em frases de efeitos inócuas. Ainda aproveitando-se de situações absurdas em série, que são divertidas de acompanhar, mas que perdem sua força por utilizarem fórmulas semelhantes. Ainda mais com 158 minutos de duração, que desenvolvem-se em uma boa proporção, mas que mostram um ego  desnecessário do cineasta.

Contudo, é gritante a experiência que o diretor adquiriu ao longo de todos os seus trabalhos. A sequência da fuga de Los Angeles é absurdamente bem filmada, com efeitos especiais fantásticos e  edição perfeita. Além de utilizar-se de planos fechados, Emmerich ainda se mune provavelmente da câmera digital para filmar algumas cenas – como em “Império dos Sonhos” de David Lynch -, que habitualmente dá um ar de veracidade para as filmagens. E ele ainda abusa de imagens icônicas e planos belíssimos do cataclismo global, utilizando praticamente todos os meios de destruição em massa como mini-meteoros, tsunamis, vulcões, terremotos, e saindo-se bem sucedido em todos eles.

O roteiro tem uma premissa bastante interessante, mas não aproveita quase nada, explorando superficialmente diversos aspectos, mas sem aprofundar nenhum deles. Poderíamos ter um conteúdo religioso mais forte, que ainda tem imagens significativas como a separação de Deus e do homem na capela Sistina, mas que não há o debate que necessita. A política é um tema explorado nos primeiros atos também e tem até um conteúdo relevante, mas sem destaques. Se o discurso fosse um pouco mais distinto, os diálogos um pouco mais eficazes e as frases mais bem empregadas, certamente o longa seria de completa aprovação.

O elenco é competente e talvez aqui resida parte do sucesso de “2012”. Com talvez o melhor conjunto de atores que o diretor já trabalhou, todos conseguem ser simpáticos e convincentes em suas respectivas atuações. O fato de o filme contar com “um conjunto” de personagem e não “o” personagem central, favorece com que cada profissional tenha seus destaques. Não há muito o que se falar individualmente, mas sim do funcionamento do conjunto. Seja por John Cusack que consegue ser simpático, por Woody Harrelson que talvez fez o melhor personagem da trama, por Danny Glover que faz o presidente, pela dupla de beldades Amanda Peet e Tandie Newton ou pelos atores mirins, temos um grupo em boa interação aqui.

A parte técnica não é nada menos que fantástica. Se essa era a intenção real do filme e se os espectadores forem assisti-lo nesse propósito, será completa a satisfação. Emmerich utiliza-se tão bem dessa ralação cena/efeito, que faz até Michael Bay cair em desespero; porque aqui temos efeitos que contam alguma história e com relevância. Com uma plataforma de inúmeras possibilidades para exploração de efeitos, provavelmente a melhor desde “Matrix”, somos apresentados a um espetáculo visual. E essa é a prova mais concreta que temos atualmente de como a diferenciação em tela entre o que é real e o que não é, torna-se uma árdua tarefa.

Já os efeitos sonoros são tão eficazes quanto os visuais. Outra sacada foi “calar” a trilha sonora em grande parte das cenas de destruição e deixar que a história seja contada inclusive através dos sons. Apesar de uma trilha manjada em filmes do gênero, quando analisados os instrumentos de sopro, o diretor acerta ao retrair-se e deixar que o espetáculo visual tenha vantagem. A fotografia é algo interessante de ser analisado, com um tom escuro e realista, que acredito ter sido empregada também na intenção de dificultar a disponibilização de cópias ilegais, uma vez que a qualidade das filmagens clandestinas seriam péssimas. Incentivo a ida ao cinema? Ponto para Emmerich!

Portanto o truque é criar as corretas expectativas. Você vai esperando um blockbuster de destruição e irá tê-lo. E como adendo, com tudo aquilo que compõe filmes como esses, mas apresentados com melhor qualidade. Um filme que será referência no gênero que pertence e hibernará as produções nesse âmbito, ainda que o total equilíbrio não tenha sido atingido. Mas o longa tem o poder de nos proporcionar grandes momentos como cinema-evento e consegue causar arritmia, nem que seja por minutos, da nossa respiração. E Emmerich sabe quando isso acontece e brinca com os espectadores. Em determinada cena, o personagem de Woody Harrelson diz que toda aquela destruição é linda e que está arrepiado. Em definitivo ele não foi a única pessoa que sentiu isso.

Amenar Neto
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